09 fevereiro, 2006

Livro conta a epopéia do brasileiro que uniu Brasil e Benin

Silio Boccanera
de Londres


A visita do presidente Lula ao Benin, nesta semana, é um bom pretexto para leitores britânicos e brasileiros conhecerem melhor as ligações daquele país com o Brasil, examinadas pelo escritor inglês Bruce Chatwin, em seu livro The Viceroy of Ouidah, publicado em Londres pela editora Jonanthan Cape e lançado no Brasil pela Companhia das Letras como O Vice-Rei de Uída.


Chatwin, morto de Aids em 1989, usa a ficção com sólida base histórica para contar a saga de Francisco Manoel de Souza, um brasileiro pobre que deixou o sertão da Bahia, no início do século 19, e foi para a costa oeste da África, onde se transformou no maior traficante de escravos negros para as Américas. O brasileiro deixou dezenas de descendentes no Benin (ex-Daomé), onde até hoje cultuam seu nome.

Apesar das práticas tradicionais da época na região, Francisco de Souza conseguiu convencer o rei africano na área onde estava de que era mais vantajoso vender como escravos os membros de tribos rivais derrotadas nos vários confrontos, em vez do hábito mais comum de apenas cortar-lhes as cabeças como troféus.

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Uma biografia de Chatwin, escrita por Nicholas Shakespeare e publicada em Londres em 1999, dedica dois capítulos à aventura do primeiro pelo Brasil e pela África, em busca de material sobre a vida de Francisco de Souza. Chatwin embrenhou-se no Benin, depois viajou ao Rio, à Bahia e ao Maranhão, a fim de completar a pesquisa sobre o baiano dono de escravos.

Beleza

Corpo frágil, pele clara, cabelos louros e olhos verdes, Chatwin "era de uma beleza que chamava a atenção de homens e mulheres", segundo a intelectual americana Susan Sontag. Ele transformou sua passagem pelo Brasil não só em pesquisa, mas também num mergulho sem repressão por sua homossexualidade nem sempre declarada, sobretudo à mulher com quem permaneceu casado até morrer. A biografia inclui uma carta de amor que recebeu de um jovem baiano.

Chatwin encontrou-se em Salvador com o antropólogo francês Pierre Verger, um estudioso da ligação Brasil-África, mas não obteve ajuda. Da mesma forma, no Maranhão, o escritor Gilberto Freire, autor do clássico Casa Grande & Senzala lhe teria negado informações, segundo a biografia.

Assim mesmo, com o material que coletou em Benin, mais as observações diretas que fez no Brasil, Chatwin escreveu a fascinante epopéia do brasileiro traficante de escravos que ganhou o titulo de vice-rei da aldeia de Uída, no Benin.

De lá, Francisco de Souza (como o livro é parte ficção, o Souza foi trocado por Silva) comandou um intenso comércio de escravos com as Américas, sobretudo o Brasil, para onde sempre sonhou em voltar, mas nunca conseguiu.

Morreu na África, onde seus descendentes até hoje se reúnem periodicamente, para homenagear o ancestral ilustre -- comendo acarajé e outros pratos baianos, vestindo verde-amarelo, cantando ritmos brasileiros.

O Brasil no Benin

Leitores que já sabem da forte influência africana na cultura brasileira descobrem no livro de Chatwin o caminho inverso: a presença brasileira (baiana, acima de tudo) no Benin, da língua à culinária, da música à dança.

O atual ministro da cultura Gilberto Gil, que acompanha Lula na viagem atual, esteve no Benin, em 1998, e participou da realização de um excelente documentário sobre Pierre Verger - O Mensageiro Entre Dois Mundos - com várias referências ao legado de Francisco de Souza. Gil chegou a conversar com alguns Souzas africanos, descendentes do brasileiro traficante de escravos.

O cineasta alemão Werner Herzog também entrou no assunto, transformando a história contada por Chatwin no filme Cobra Verde, que teve limitada exibição pelo mundo.

O livro de Chatwin sobre o vice-rei Francisco de Souza vai mais longe, porque aborda com detalhes minuciosos a ambição e o delírio do brasileiro na África do século 19.

Chatwin escreve com a precisão de um antropólogo e o ritmo de um contador de aventuras, misturando crenças e fatos com naturalidade, alimentando suspeitas de que o realismo mágico latino-americano tem um pé na África.

Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/02/060206_beninsiliors.shtml

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