08 fevereiro, 2006

FHC e PT usam dados parciais em disputa sobre a economia

08/02/2006 - 09h11

GUSTAVO PATU
da Folha de S.Paulo

O recente acirramento do duelo verbal entre PT e PSDB começa a pôr em evidência o que deverá ser, ao lado das acusações mútuas de corrupção, o mote da campanha eleitoral deste ano: a disputa pelos resultados da economia, repleta de dados parciais e truques estatísticos.

O site do PT na internet (www.pt.org.br) publicou com destaque um artigo do economista João Felício Quirino, intitulado "O nosso governo e o deles", comparando as gestões Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso --ou, mais exatamente, comparando o melhor do primeiro com o pior do segundo.

Do lado tucano, o próprio ex-presidente FHC tratou de torturar os números em sua entrevista de anteontem ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, quando tentou, ao mesmo tempo, assumir os créditos pela política econômica e criticar sua gestão pelos adversários petistas.

Para os leigos, o embate pode encobrir o que é óbvio para os especialistas: as administrações Lula e FHC adotaram, em sua essência, os mesmos diagnósticos e as mesmas diretrizes econômicas da ortodoxia liberal --e, apesar do desconforto com o abandono de teses do passado, não há sinal de propostas diferentes para o futuro.

A saída tem sido relegar a segundo plano os debates sobre modelos econômicos e privilegiar a comparação de resultados e supostos méritos administrativos de gestão. E aí o espaço é farto para a manipulação de números.

"Durante o governo do PSDB, a carga tributária bruta subiu de 29,5% para 35,5% do PIB, entre 1994 e 2002, ficando em 34,9% em 2003", escreve o petista Quirino, repetindo a tese do ministro Antonio Palocci (Fazenda) de que a expansão dos impostos foi freada.

Convenientemente, a comparação não menciona o resultado de 2004, no governo Lula, quando a carga tributária atingiu o maior patamar da história --35,9% do PIB. Sabe-se também que houve novo crescimento em 2005, embora o dado oficial ainda não tenha sido divulgado.

Também falando das finanças públicas, rebate FHC: "Nunca se pagou tanto juro no Brasil: 2,8 vezes do que os meus três [primeiros] anos de governo" --o que só é verdadeiro numa imprópria comparação de valores em reais. Em percentuais do Produto Interno Bruto, não há diferença relevante entre as despesas com juros de tucanos e petistas.

Cálculo eleitoral

As estratégias dos dois grupos que encabeçam desde 1994 a disputa pelo poder no país se baseiam no cálculo eleitoral. Pelo lado de Lula, seus aliados contam com pesquisas que demonstram o apelo da melhora de indicadores diretamente ligados ao bem-estar da população.

"Em suma, no governo Lula o país cresceu mais, o desemprego caiu, criaram-se mais postos de trabalho formais", prega o texto do site petista.

"Porque ele copia a minha política. Ele era contra, todo o PT, e fizeram a mesma coisa", respondeu FHC a uma afirmação semelhante, no "Roda Viva".

Ontem, em São Paulo, FHC voltou a dizer que Lula colhe hoje o que foi plantado na sua administração. "Hoje eles [atual governo] estão sabendo que os louros que colhem são aqueles que vêm do que foi plantado no passado."

Além de bater na tecla do "estelionato eleitoral" de Lula, os tucanos insistem que os dados mais favoráveis dos últimos anos se devem à continuidade das políticas que introduziram e a um cenário internacional mais favorável.

"A economia brasileira cresceu no ano passado 2,4%, enquanto o mundo está muito favorável. Eu peguei o mundo muito negativo. Esse mundo é muito favorável, e apesar disso nós não estamos respondendo na velocidade necessária", afirma FHC.

O economista petista, que escreveu seu texto antes da declaração do ex-presidente tucano, antecipa a resposta: "Ora, se a conjuntura internacional favorável diminui os méritos do atual governo, o mesmo deveria ser feito em relação à estabilização de preços propiciada pelo Plano Real".

Afinal, argumenta, o Brasil e outros países emergentes se aproveitaram da abundância de capitais da primeira metade dos anos 90 para valorizar suas moedas e debelar a inflação.

E os dois lados correm o risco de convencer o eleitor de que os feitos que alardeiam não são mesmo tão singulares.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u75685.shtml



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