10 fevereiro, 2006

Juizado recebe crianças que a família não pode manter

10/02/2006 - 09h07m


Elenilce Bottari - O Globo
Fadua Matuck - Globo Online

RIO - Só a desinformação e o desespero podem explicar o abandono pela própria mãe de um bebê de apenas 3 dias no estacionamento de um hospital na noite da última terça-feira. Simone Pereira da Silva alegou falta de condições financeiras para sustentar o seu sexto filho. Como tantas outras mães que vivem no Rio, ela poderia ter levado a menina recém-nascida ao Juizado da Infância e da Juventude, na Praça Onze 403, próximo ao Sambódromo.

Segundo a promotora Patrícia Pimentel, que atua na 1 Vara da Infância e da Juventude, existem hoje mais de 300 famílias que já habilitadas para adoção. Se Simone tivesse recorrido ao Juizado, a menina seria levada para uma nova família no mesmo dia. Segundo a promotora, nos casos das mães que não têm condições de criar seus filhos e também têm dúvidas sobre se desejariam entregá-las à doação, existem na cidade mais de cem educandários, como o Romão Duarte, que cuidam dessas crianças. Mas. a promotora adverte, a dúvida dos pais pode prejudicar e muito a vida das crianças:

- É muito injusto quando os pais deixam seus filhos por anos em abrigos para depois desistir de vez deles. Eles acabam velhos demais para a adoção e condenados a viver em abrigos por toda a juventude - afirmou a promotora.

Patrícia Pimentel explicou que, na maioria dos casos, a procura por adoção de crianças de até 3 anos é grande. Segundo ela, praticamente só estrangeiros adotam crianças com mais de 5 anos. A lei também prevê soluções para famílias que, apesar das dificuldades, amam seus filhos e não querem deixá-los.

- Tanto o estado como o município são obrigados pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a manter programas de auxílio a essas famílias. Se elas não conseguirem atendimento nesses órgãos, é só procurar o Juizado da Infância e da Juventude que acionará as autoridades - explicou ela.

A Secretaria municipal de Saúde também mantém o Programa de Planejamento Familiar, no qual mulheres e adolescentes são orientadas e podem inclusive receber pílulas, camisinhas e outros métodos anticoncepcionais. O programa funciona nas cinco maternidades do município. Qualquer informação sobre o planejamento familiar pode ser conseguida através do Disque-Saúde: 2703- 0846.

A delegada Alice Cunha, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Niterói, explica que a primeira providência que deve ser tomada por quem encontra uma criança abandonada é prestar socorro à vítima e, em seguida, procurar uma autoridade policial. Segundo ela, quem encontra um bebê abandonado e não presta assistência, ainda pode ser processado por omissão de socorro.

- Não precisa ser especificamente uma delegacia de proteção à criança e ao adolescente. Qualquer delegacia de bairro está habilitada para proceder num caso desse como este. O importante é comunicar as autoridades porque abandono de incapaz é crime - afirma.

De acordo com a delegada, a polícia entra em contato com o Juizado da Infância e da Adolescência e com o Conselho Tutelar local para cuidar e encaminhar a criança e abre uma investigação para apurar a autoria do crime, que prevê detenção de 3 meses a 3 anos, se a criança não tiver sofrido nenhum dano. Se houver lesão corporal, a pena aumenta para 1 a 5 anos de reclusão em regime fechado. Se a criança morrer, o culpado pode pegar de 4 a 12 anos de reclusão. Alice explica ainda que as penas podem ser aumentadas de um terço se o autor do abandono foi um parente ascendente e se a criança for deixada em local ermo.

Criada em 1726 (no Brasil Colonial) para abrigar crianças abandonadas, a Casa dos Expostos ficou mais conhecida por causa da Roda dos Enjeitados (onde eram deixados os bebês) e marcou um dos piores momentos da história social da infância no Brasil. Tratava-se de um abrigo criado por Romão de Mattos Duarte, onde as crianças eram deixadas em uma roda, uma espécie engrenagem medieval, que garantia anonimato às famílias que abandonavam seus filhos. Ela funcionou originalmente na Ladeira da Misericórdia, passando depois para a Rua dos Barbonos, já sob a direção da Santa Casa da Misericórdia.

As crianças eram deixadas do lado de fora da roda. Bastava aos pais girar a engrenagem e soar a campainha para que as freiras as recolhessem já do lado de dentro. Apesar de degradante, a roda era uma solução comum para mães solteiras e famílias pobres, como mostra o conto "Relíquias de casa velha", de 1906, de Machado de Assis.

"Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos Enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? Enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de janta", diz um trecho do conto.

A Roda dos Expostos funcionou até 1926, segundo o historiador Milton Teixeira:

- Romão Duarte teria decidido fundar a roda quando viu um bebê comido por um cão na rua.

Segundo Milton Teixeira, como havia muito preconceito à época, ele utilizou a roda, uma engrenagem medieval que existia para levar alimento a monges e freiras em conventos fechados, como forma de criar o anonimato para as famílias. Após uma visita à roda, Dom Pedro I ficou estarrecido com a quantidade de óbitos e ela acabou extinta: no seu lugar foi criada a Fundação Romão Duarte, que hoje abriga 53 crianças. Também é ali que funciona um pequeno museu da Santa Casa, onde até hoje a roda está em exposição.

Fontes:
http://oglobo.globo.com/online/rio/mat/2006/02/10/191638553.asp



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