16 novembro, 2005

Fujimori já trama seu golpe no Peru

16/11/2005 - 10h44m

O 'chinês' está por perto
Globo Online
Carlos Nóvoa*

LIMA - Alberto Fujimori parece ser um desses personagens nascidos para fazer notícia, e no Peru, goste a população ou não, a política não é mesma sem ele. Em uma só jogada, como os craques brasileiros que são magos com a bola, Fujimori voltou ao panorama eleitoral peruano e estacionou seu nome no sempre polêmico cenário da política local. Depois de cinco anos em seu exílio japonês - no qual combinou o luxo com uma vida franciscana - o "chino"/"chinês" (no Peru, qualquer um com traços orientais é chamado de "chinês", não importa se é originário do Japão, da China ou do Vietnã) desembarcou no Chile para ficar mais perto do Peru, para criar uma verdadeira dor de cabeça ao governo de Alejandro Toledo e, assim, modificar o ambiente pré-eleitoral. As próximas eleições gerais, nas quais serão eleitos o presidente e 120 parlamentares de um Congresso unicameral, serão realizadas em abril. Até o retorno inesperado de Fujimori, havia três sérios candidatos à Presidência: a direitista Lourdes Flores Nano, e os ex-presidentes Valentín Paniagua e Alan García. Nenhum desses candidatos tem a força política que Fujimori. Sem fazer campanha, o "chinês" tem 20% das intenções de votos dos peruanos, mostram as pesquisas. Fujimori é um verdadeiro fenômeno que tem diversas explicações. Não é difícil encontrar em Lima alguém que defenda o "chinesinho". O que faz falta aos defensores de Fujimori é o seu dom de liderar, a sua figura autoritária, como aqueles patriarcas que cuidam da segurança de seus filhos sem importam os métodos utilizados. O "chinês" é o outro lado da moeda de Toledo. Fujimori é o trabalhador que suja as mãos e é muito discreto em seus atos. Toledo é a imagem vida da boemia, o garoto mestiço que saiu da pobreza - como Lula no Brasil - mas com a diferença que, aos 16 anos, mudou-se para os EUA e terminou em Harvard. Toledo tem um uísque como amuleto, Fujimori prefere o anonimato dos povos jovens ou daqueles perdidos no interior do país, aos quais nenhum governante havia chegado antes. Fujimori é a autoridade, Toledo é a folia. Não importa se o "chinês" fala mal o castelhano. Esta foi, paradoxalmente, uma de suas principais armas que o levaram a derrotar, a humilhar o famoso escritor Mario Vargas Llosa nas eleições de 1990. Vargas Llosa, um cidadão do mundo, intelectual de vanguarda que fala quatro idiomas, caía humilhado diante do "chinesinho" que falava sem apego a gramática e sintaxe, sem construir uma oração ordenada em espanhol. Para o cidadão comum, com os pés no chão, Fujimori era como ele. Lutador, ele pensa como vai sobreviver no dia seguinte. Vargas Llosa era o candidato dos ricos da direita, aqueles que vivem em Miraflores, San Isidro ou Monterrico, o equivalente limenho aos bairros cariocas de Barra da Tijuca, Leblon e Ipanema. Então, em 28 de julho de 1990, Fujimori sentiu a glória do poder, convertendo-se em presidente do Peru. Até o começo do ano de 1992, exerceu suas funções dentro das condições democráticas. Mas, em 5 de abril, nasceu o Fujimori que todos conhecem agora. Fechou o Congresso, enfrentou os políticos tradicionais e começou a mandar como um general. Essa característica lhe valeu o índice de 90% de popularidade, porque o povo, em geral, interpretou que finalmente havia alguém capaz de fazer as coisas sem roubar, sem interesses políticos e se preocupando com a população. As pessoas recordam que, com decisão, Fujimori ganhou a guerra travada contra o terrorismo do Sendereo Luminoso, alcançou a paz com o Equador depois de um conflito bélico em 1995, derrotou a hiperinflação e pôs o Peru na rota do desenvolvimento econômico com um crescimento médio de 4% a 5% anual, um modelo que hoje é seguido pelo governo de Toledo. Fujimori não é um típico peruano: moreno astuto se é de Lima, mestiço trabalhador se vem da serra, ou extrovertido quando originário da selva. No início de 2000 - quando foram confirmadas as suspeitas de que seu assessor Vladimiro Montesinos era o poder por trás do poder, e quando um vídeo mostrou que Montesinos utilizava dinheiro público para subornar congressistas, empresários e dirigentes - o governo Fujimori caiu. Em uma jogada hábil, o "chinês" foi até a Malásia em viagem oficial e, de lá, seguiu para o Japão, de onde enviou sua carta de renúncia. Depois vieram a mudança de governo e os processos judiciais que mantiveram Fujimori no exílio japonês. Inesperadamente, o panoramo começou a mudar, via Santiago. Fujimori está muito perto do Peru, na capital chilena. Está detido em um quartel militar, mas com poder suficiente para modificar o panorama político no Peru.

* Jornalista do 'El Comercio', de Lima

Fonte:
http://oglobo.globo.com/online/mundo/189175892.asp

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