21 novembro, 2005

Armamento sem fiscalização

Rio, 20 de novembro de 2005 Antônio Werneck

No início deste ano, monitorando a comunicação de traficantes de drogas do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, policiais civis da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) levaram um susto: descobriram que um dos fornecedores de armas para os bandidos era um policial militar, que supostamente as pegava no quartel. Mas a maior surpresa foi ouvir numa das ligações o mesmo PM orientar os bandidos para atirarem na polícia quando ela chegasse ao morro. O PM foi preso, e outros casos de policiais que desviam armas e munição para criminosos foram descobertos em investigações este ano. Num deles, um agente da Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (Dfae) retirava armas do depósito da unidade para vender a marginais em favelas. Crimes como esses poderiam estar sendo evitados se o Sistema de Controle de Armas, Munições e Explosivos do Estado do Rio (Sicamerj) já estivesse funcionando. Instituído pela resolução número 712, publicada no Diário Oficial de julho de 2004 pelo então secretário de Segurança Pública, Anthony Garotinho, o Sicamerj caiu no limbo da administração pública. Fontes do governo ouvidas pelo GLOBO afirmaram que faltam recursos (na primeira fase seriam gastos R$ 600 mil) para pôr o sistema para funcionar. O Sicarmerj foi idealizado para exercer o controle dos estoques de armas, munição e explosivos mantidos nos quartéis da polícia e, principalmente, daquele armamento apreendido com bandidos. O monitoramento aconteceria com a interligação, via computador, de todas as delegacias; dos depósitos de armas e munição apreendidas (que ficam no Instituto de Criminalística Carlos Éboli, na Dfae e no Esquadrão Antibombas); da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae); e da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Fariam parte do sistema ainda os depósitos de armas e munição do Exército, para onde o armamento apreendido é levado para ser destruído. Dessa forma, todo o material ficaria registrado num banco de dados da Secretaria de Segurança Pública. Sistema incluiria a reforma de depósitos Dentro do projeto, os depósitos da Dfae, do Instituto Carlos Éboli e do Esquadrão Antibombas passariam por reformas. No esquadrão, localizado atualmente no pátio da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), na Avenida Francisco Bicalho, no Centro, a reforma incluiria normas internacionais de segurança. As paredes laterais do depósito seriam reforçadas para que, no caso de uma explosão, o deslocamento de ar fosse direcionado para o alto. — Os riscos de uma explosão aqui existem, mas são mínimos. Geralmente, quando apreendemos um explosivo, nós o levamos desativado para o depósito, reduzindo assim as chances de ocorrer um acidente — disse um policial que é lotado no Esquadrão Antibombas. O envolvimento de militares das Forças Armadas e de policiais do Rio no desvio de armas é antigo. Nos quartéis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, uma série de providências de segurança foram tomadas. Uma delas foi retirar armas de guerra (como fuzis) das mãos de sentinelas, principais vítimas dos bandidos durante os ataques às unidades militares. Os paióis também receberam atenção especial. Na Aeronáutica, o principal deles, num quartel da Ilha, ganhou novos aparatos de segurança e sentinelas. Nos depósitos da polícia, a segurança ainda é considerada precária. Em julho deste ano, cinco policiais (três civis e dois militares) foram presos acusados de participarem de um esquema de venda de munição a traficantes do Morro do Turano, no Rio Comprido. As investigações incluíram escuta telefônica, registros fotográficos e filmagens das negociações dos policiais com os bandidos. Toda a investigação foi feita pela Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis, que, como o nome já diz, seria teoricamente para identificar e prender quadrilhas de ladrões de carros. A iniciativa foi batizada de Operação Java. Agentes da DRFA chegaram aos policiais ouvindo traficantes de drogas suspeitos de envolvimento também com o roubo e o furto de carros. De acordo com a DRFA, os policiais supostamente desviavam munição e possivelmente armas do 6 BPM (Tijuca), unidade de lotação de dois acusados, e da Dfae, onde um dos presos trabalhava. A polícia detectou um desfalque de dez mil projéteis no estoque da Dfae. Todos os procedimentos internos da divisão estão passando por análises e modificações. Ao todo, foram apreendidas com os detidos quatro mil balas, duas granadas (de uso exclusivo do Exército) e seis armas. O esquema de negociação dos policiais com os bandidos do Turano tinha um intermediário. Em várias horas de telefonemas interceptados, ele aparece conversando com os policiais acusados e com os traficantes. No grupo preso, o principal fornecedor de armas e munição para os criminosos era um inspetor responsável pelo depósito da Dfae. Na casa dele, foram apreendidos dinheiro (US$ 4 mil e R$ 23 mil), projéteis e uma pistola. De acordo com a investigação, ele adulterou documentos internos da divisão, como o controle de munição. Técnicos do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e do Programa Delegacia Legal identificaram, com base em dados obtidos em registros de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública, cerca de 86 mil armas apreendidas pela polícia desde 1999. Dez por cento delas (8.536) pertenciam ao Estado (às polícias estaduais e às Forças Armadas). — Isso não quer dizer que todas elas tenham sido desviadas. É preciso ainda fazer uma análise — disse um policial envolvido na coleta de dados. Estudo é o primeiro do gênero no país A análise das 86 mil armas mostrou ainda que 28.930 (33%) eram registradas, 33.869 (39%) ilegais e o restante, 24.050 (27,7%), foi recolhido com traficantes. Todas as apreendidas com bandidos eram fruto de contrabando, sendo que 7.306 (8,4%) eram brasileiras de uso permitido; 753 (0,9%) estrangeiras, também de uso permitido; 11.234 (12,9%) brasileiras de uso restrito (só permitidas para as polícias e as Forças Armadas); e 4.757 (5,5%) estrangeiras de uso restrito. O trabalho de análise é o primeiro do gênero no país a traçar de uma forma bem aproximada o perfil do armamento apreendido pela polícia. Foi realizado para identificar as armas utilizadas no crime no Rio e descobrir a sua origem. Pelo estudo, é possível determinar, por exemplo, que armas são mais empregadas nas diferentes modalidades de crime.

Fonte:
http://oglobo.globo.com/jornal/rio/189231038.asp

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