24 novembro, 2005

Novos mecanismos para financiar a infra-estrutura

Novos mecanismos para financiar a infra-estrutura

MP do Bem prevê cessão fiduciária de recebíveis e step-in rights.
Por Marcos Barbosa Pinto* e Maurício Ribeiro Portugal**


O presidente da República sancionou nesta segunda-feira a Lei 11.196/2005, que converteu em lei a chamada MP do Bem. A versão original da MP sofreu alterações no Senado, uma das quais possui especial relevância para o setor de infra-estrutura. Trata-se da instituição de dois novos mecanismos de garantia, sugeridos pelo Ministério do Planejamento e pelo BNDES, que tornam mais seguros os financiamentos concedidos às concessorionárias de serviço público: a cessão fiduciária de recebíveis e os step-in rights.
A adequada prestação de certos serviços públicos, como geração de energia elétrica e tranporte rodoviário e ferroviário, exige investimentos vultuosos, de longo prazo de maturação. Para realizar esses investimentos, as concessionárias precisam obter financiamento igualmente vultuosos junto ao mercado financeiro, com prazos de pagamento compatíveis com o projeto. Todavia, as concessionárias têm dificuldades para ofertas as garantias necessárias para esses financiamentos.
Muitos dos investimentos por elas realizados são feitos em bens públicos, como rodovias e ferrovias, que pertencem ao Estado e que, portanto, não podem ser dados em garantia. Além disso, mesmo quando os investimentos são feitos em bens privados, a lei determina que os mesmos são reversíveis, devendo passar à propriedade do Estado ao final da concessão. Assim, embora esses bens possam ser dados em garantia, eles não oferecem a segurança necessária aos financiadores.
Além disso, dado o porte e o risco envolvido em projetos de infra-estrutura, os acionistas relutam em oferecer garantias pessoais, como fianças e avais, aos empréstimos oferecidos pelos bancos. Para viabilizar os investimentos, portanto, o financiamento precisa ser feito sob a modalidade de project finance (para conhecer mais a atualidade desse assunto, clique aqui), na qual os acionistas oferecem garantias limitadas e os financiadores passam a ter direitos diretamente sobre o fluxo de caixa do projeto.
A MP do Bem mitiga os problemas acima e torna o project finance mais seguro para os bancos financiadores. A MP criou um novo mecanismo de garantia, a cessão fiduciária de créditos, que não incide sobre os bens tangíveis da concessionária, mas sobre sua receita. Este novo direito real de garantia está disciplinado em detalhe no artigo 120 da nova lei.
De acordo com esse artigo, as concessionária de serviço público são autorizadas a oferecer parcela de sua receita operacional futura como garantia para financiamentos de longo prazo. Para tanto, a concessionária de ve ceder esses créditos ao financiador, em caráter fiduciário. Paralelamente, uma outra instituição financeira é indicada como trustee das partes, ficando encarregada pela cobrança dos créditos e transferência dos recursos para os financiadores.
Esse mecanismo já vinha sendo utilizado pelos bancos brasileiros, mas persistiam dúvidas sobre sua eficácia jurídica. A MP do Bem suprimiu essas dúvidas e aperfeiçoou o intituto, fazend dele uma garantia bastante segura para o financiamento de projetos de infra-estrutura de grande porte. Isso permitirá aos bancos ampliar o uso do project finance, devido à sua maior segurança, e aumentar a oferta de recursos para o setor.
O artigo 119 da nova lei também estendeu para todas as concessões de serviço público um mecanismo de garantia criado pela Lei das PPPs: os step-in rights. De acordo com alei, caso a concessionária deixe de cumprir seus contratos de financiamento, os bancos financiadores podem assumir o seu controle, de modo a sanear suas finanças e garntir a continuidade da prestação dos serviços.
Atualmente, quando uma concessionária de serviço público encontra-se em má situação financeira, os bancos são obrigados a acelerar o vencimento de seus créditos e, em casos extremos, pedir falência da concessionária. Esses eventos prejudicariam a prestação de serviços e podem levar à caducidade da concessão.
O resultado desse processo é ruim para todos: os consumidores sofrem com a perda da qualidade dos serviços ou sua interrupção; os bancos reduzem suas chances de receber à medida que a situação da empresa se deteriora; e, finalmente, o Estado se vê obrigado a assumir a prestação dos serviços, o que implica custos adicionais para os cofres públicos.
Os step-in rights são um mecanismos preventivo, que possibilita aos financiadores intervirem na concessionária antes que sua situação financeira se deteriore completamente. Os financiadores assumem o controle para sanear suas finanças, no intuito de recuperar seus créditos. Atuam em interesse próprio, mas acabam por proteger também os interesses do consumidor e do Estado, que seriam ingualmente prejudicados pela falência.
Em conjunto, esses novos mecanismos- cessão fiduciária de recebíveis e step-in rights - tornam possíveis uma verdadeira revolução no financiamento de projetos de infra-estrutura no Brasil. Através deles, os bancos poderão aumentar sua oferta de recursos, o que tende a reduzir os custos dos projetos e benefíciar os consumidores com menores tarifas.
Mas ainda, os novos mecanismos devem tornar o project finance mais freqüente no Brasil, fomentando assim investimentos em um setor crítico para o desenvolvimento nacional.


Marcos Barbosa Pinto é mestre em direito pela Universidade de Yale e coordenador do Grupo de Parcerias Público-Privadas do BNDES.

**Maurício Ribeiro Portugal é mestre em direito pela Universidade de Harvard e coordenador de Unidade de Parcerias Público-Privadas do Ministério do Planejamento.

Para saber mais sobre "Project Finance" no Brasil:

Project Finance no Brasil: Fundamentos e estudo de casosAutores:
Claudio Augusto Bonomi e Oscar Malvessi
Páginas: 368
Formato: 17X24
Edição: 1 Edição (2002) - 1 tiragem
ISBN: 8522431981

Site do livro: http://www.rae.com.br/livros/index.cfm?FuseAction=Finances


Clique nos links abaixo para saber mais:

Universidade de Harvard



Bom Negócio



Veja exemplos bem sucedidos de projetos de PPPs em vários paísesVeja exemplos bem sucedidos de projetos de PPPs em vários países


Experiência das PPPs no mundo vem desde o século XIX





Informações adicionais sobre PPP

A PPP (Parcerias Público-Privadas) é uma modalidade de contrato que será desenvolvida em paralelo aos contratos de concessão já existentes e permite um amplo leque de atividades que incluem principalmente projetos de infra-estrutura. É considerado pelo Governo Federal um instrumento fundamental para garantir os investimentos em portos, rodovias, ferrovias, necessários para impulsionar e garantir o crescimento da economia brasileira.No tipo de parceria proposta no projeto, o setor privado fica responsável pelo financiamento total do serviço, inclusive obras necessárias, e só depois de finalizada começa a receber a amortização do investimento realizado, ao contrário do que ocorre hoje, quando o poder público contrata uma obra e paga conforme sua execução. O Projeto de Lei de Parceria Público-Privada foi entregue pelo ex-ministro do Planejamento, Guido Mantega, em 11 de novembro de 2003 ao presidente da Câmara, João Paulo Cunha, depois de ter passado por consulta pública e ter recebido diversas contribuições de entidades da sociedade civil, do Conselho de Desenvolvimento Social e de ONGs como a Transparência Brasil. Desde então foi colocado em discussão e realizadas audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que resultou em aperfeiçoamentos feitos pelos parlamentares. Os pontos de conflito foram superados com muita negociação, seminários e debates que vêm ocorrendo desde o ano passado. O projeto, relatado na Câmara pelo deputado Paulo Bernardo (PT-PR) foi aprovado no plenário em 17 de março de 2004 e encaminhado ao Senado. Foi aprovado na Comissão de Infra-estrutura em 5 de maio de 2004, na Comissão de Assuntos Econômicos no dia 18 de novembro e na Comissão de Constituição e Justiça em 9 de dezembro.O projeto originalmente encaminhado, recebeu no Congresso Nacional diversas contribuições, cujo objetivo foi, entre outros, aumentar a segurança na interpretação e aplicação da futura Lei de PPP.

Entre as contribuições destacam-se:

a) Esclarecimento sobre regimes legais aplicáveis às PPP

A exclusão do regime PPP dos contratos de obra pública e dos contratos de concessão comum, que continuarão regidos, respectivamente, pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8.666/93) e pela Lei de Concessões (Lei 8.987/95 e 9.074/95).Para deixar absolutamente claro qual o regime legal aplicável, as PPP foram classificadas em dois tipos, quais sejam as “concessões patrocinadas” e as “concessões administrativas”. Concessões patrocinadas são as concessões de serviço público em que o Estado realiza alguma forma de contraprestação, adicionalemente à tarifa cobrada do usuário. Já as concessões administrativas são as PPP em que o serviço é prestado direta ou indiretamente à Administração e o Estado arca integralmente com o pagamento pelos serviços.

b) Responsabilidade fiscal e controle da realização de PPP

As despesas da União com PPP ficam limitadas a 1% da sua receita corrente líquida. Em relação aos Estados e Municípios, as transferências voluntárias da União para tais entes ficam condicionadas ao cumprimento do limite de gastos com PPP a 1% da sua receita corrente líquida. Serão computadas para efeito de cumprimento do limite de gastos com PPP as despesas de todos os entes da Administração direta e indireta.c)

Limitação da participação de capital público em PPP

Com o objetivo de garantir efetivo investimento de recursos da iniciativa privada nos projetos submetidos às PPP, a participação do parceiro privado em operações de crédito com recursos de empresas públicas e sociedades de economia mista controladas direta ou indiretamente pela União foi limitada a 70% do valor total dos recursos necessários à implementação do projeto. Para as áreas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH seja inferior à média nacional, essa participação poderá ser mais elevada, não podendo exceder a 80%.Além disso, quando houver participação de entidades fechadas de previdência complementar, o limite dos recursos para operações de crédito e contribuições de capital provindos destes entes, em conjunto com os provindos das empresas públicas e sociedades de economia mista e empresas controladas pela União, será de 80% dos recursos necessários à implementação do projeto. Nas áreas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH seja inferior à média nacional, esse limite pode chegar a 90%.d) Fundo Garantidor das PPP e outras proteções aos pagamentos ao parceiro privadoO Fundo Garantidor das PPP ganhou maior detalhamento das formas de garantia e de operacionalização, de modo a dar maior segurança ao parceiro privado. O limite estabelecido para participação da União, de suas autarquias e fundações públicas na integralização de cotas do Fundo, ficou em R$ 6 bilhões.e) Direitos de Entrada do financiadorIncluiu-se no Projeto de lei o direito do financiador de assumir o controle do parceiro privado em caso de inadimplemento dos contratos de financiamento ou de queda dos níveis de retorno a patamares que comprometam o cumprimento de obrigações futuras. Esse dispositivo foi absorvido da experiência inglesa com as PPP e é conhecido como step-in rights.Esse dispositivo é visto pelas instituições financeiras que investem em PPP como instrumento extremamente importante de garantia dos direitos do investidor e possibilitarão a reestruturação de projetos na iminência de fracasso por ineficiência da gestão do parceiro privado. Do modo como está previsto no Projeto de Lei aprovado os “Direitos de Entrada” não modificam o direito da Administração de intervir no parceiro privado para garantir a segurança e a continuidade da prestação dos serviços nos casos já previstos na legislação sobre concessões.f) Licitação e contrato de PPPA licitação de PPP estará submetida às regras da Lei n.º 8.666/93 e, no que couber, à Lei nº 8.987/95 (concessões comuns), com algumas algumas novidades como a possibilidade de combinação de propostas escritas e lances em viva voz e a inversão das fases de habilitação e julgamento.


A Experiência internacional em PPPs


Reino Unido

Mais de 75% dos gestores públicos do Reino Unido consideraram que a performance do parceiro privado atendeu ou superou às expectativas e a relação preço-qualidade dos serviços prestados proporcionou economia de 17%.80% dos projetos de PPP foram concluídos no prazo contratado, contra 30% dos projetos realizados através de processos convencionais. Nos 20% em que ocorreu atraso, o período máximo foi de quatro meses.Além disso, 80% dos projetos de PPP mantiveram-se no orçamento previsto, contra 25% dos projetos contratados tradicionalmente. Os 20% que extrapolaram o orçamento previsto foram resultantes de modificações solicitadas pelo setor público.Os projetos que apresentaram melhores resultados foram em transporte (rodovias, ferrovias, aeroportos, portos), saúde (hospitais), segurança pública (prisões), defesa, educação (rede de escolas) e gestão de patrimônio imobiliário público.

Chile

As PPPs foram implantadas no Chile a partir da necessidade do Estado de equilibrar a os investimentos em infra-estrutura com a forte demanda de serviços sociais. Com isso o Chile modernizou sua infra-estrutura e conseguiu, ao mesmo tempo, recursos suficientes para investir em programas sociais.De 1994 até hoje foram executados 36 projetos no montante de US$ 6 bilhões. Desses, 24 são do setor de transporte, nove aeroportos, duas prisões e um reservatório. Vinte deles já estão em operação. Como resultado das PPPs no Chile, o investimento anual em obras públicas aumentou de US$300 milhões para US$1,7 bilhões.

Portugal

Em Portugal, o programa de PPP implementado a partir de 97, possibilitou o rápido desenvolvimento de uma rede de rodovias de alta qualidade, o que, até 2006, representará a duplicação de toda a extensão da malha de auto-estradas concedidas em um período de 10 anos. O modelo está sendo também aplicado à construção e operação de hospitais, ferrovias e trens urbanos.

Fonte:
http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/noticias/informacoes_adicionais_sobre_ppp.htm

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