24 novembro, 2005

O importante é aprender sempre

O segredo da longevidade do último grande pensador
17/11/2005

Enquanto se dirigia para a primeira aula com o professor Peter Drucker, o executivo Geraldo Barbosa, atual presidente da Becton Dickinson para a América do Sul, mal conseguia conter sua ansiedade. Afinal, ele estava prestes a ficar diante do chamado pai da administração moderna. O que esperar de um dos mais renomados pensadores do mundo, no entanto, era uma incógnita para ele. Mas em poucos minutos, sua apreensão deu lugar a uma sensação de conforto. Naquele dia de 1997, Drucker, no auge dos seus quase 90 anos, com seu carregado sotaque austríaco, desfilou algumas de suas idéias consagradas sobre o futuro das corporações como se contasse uma boa história, com doçura e sabedoria. Barbosa percebeu então que não estava diante de um mito, mas de um homem simples exercendo sua grande paixão: ensinar. Drucker saiu de cena dia 11 de novembro, quando morreu por causas naturais aos 95 anos de idade, no sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Sua casa modesta ficava a poucos quilômetros da Graduate School of Management que leva o seu nome, em Claremont. Foi lá que ele ensinou Barbosa e centenas de outros estudantes que tiveram o privilégio de assistir suas aulas de 1971 até 2003. Em 75 anos de carreira, Drucker teve uma produção invejável. Escreveu 35 livros, a maioria considerados fundamentais para os administradores (o último, em co-autoria com Joseph Maciariello, ainda deve ser lançado em 2006). Para seus admiradores, o grande desafio para os novos pensadores agora será encontrar coisas a dizer sobre administração que Drucker não tenha dito melhor. "Vamos conviver com ele por muito tempo ainda", diz a professora Betania Tanure, professora da Fundação Dom Cabral. "Ele já é um clássico, sempre atual, por isso ocupa um lugar singular que impede comparações". Drucker chamou a atenção do mundo executivo por ter uma incrível habilidade de antecipar tendências. Falava sobre inovação e empreendedorismo nos anos 60. Preconizou a importância da gestão das pessoas nas organizações, o envelhecimento da geração baby boomer, a chegada da era do conhecimento e outros assuntos hoje bastante valorizados no ensino da administração. O professor Carlos da Costa, sócio da Partnership & Learning, lembra algumas de suas previsões mais notáveis. Em 1954, no livro "A Prática da Administração" (The Practice of Management) Drucker falou sobre uma nova maneira de administrar valorizando as habilidades individuais e o trabalho em equipe. Em 1966, no livro "O Gerente Eficaz" (The Effective Executive), ele enfatizou que o trabalhador do conhecimento (knowledge worker) é um executivo em potencial, referindo-se a todos que têm poder de decisão dentro das organizações. Em 1974, em Management- Tasks, Responsabilities, Practices ele apontava o desejo do consumidor como fator determinante para o desenho do negócio. Em 1985, em "Inovação e Espírito Empreendedor" (Innovation and Enterpreneurship) surgia em seus estudos o empreendedor corporativo. "São assuntos hoje amplamente discutidos", diz da Costa. Drucker repudiava a idéia de ser chamado de visionário, mas não pôde escapar dessa fama. "Creio que ela foi construída por dois motivos: primeiro, porque, para sua audiência, o que ele falava realmente soava como algo novo; segundo, porque a máquina promocional que o seguia o promovia como um pensador original e inovador, o que ele não era", diz Thomaz Wood Jr. , professor da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp-FGV). Sua crítica ao pensador é que sua perspectiva é hiper-racional e reducionista. "Nesse sentido, ela teria fornecido explicações simplistas para fenômenos complexos", diz. Assim, seus livros, artigos e conferências teriam ajudado a criar os mitos modernos da administração. "Mitos que cegam os executivos para os verdadeiros problemas do dia-a-dia". Mas o grande feito de Drucker, segundo o próprio Wood, foi identificar tendências e questões importantes em cada momento da história da administração e transformá-las em livros de fácil leitura, acessíveis para um público pouco afeito a idéias complexas. "Ele inovou na forma de transmitir seus pensamentos para as pessoas", diz Júlio Cardozo, presidente da Ernst & Young para a América do Sul. "Sua obra é um contraponto aos indigestos livros do mundo acadêmico", diz. Esse talento para ser um grande comunicador ajudou a formar uma legião de admiradores de várias gerações. "Gente de 20 e 70 anos estão lado a lado gostando do que ele diz", diz Fátima Zorzato, presidente da Russell Reynolds no Brasil. O fato dele ter produzido muito e massificado seu conhecimento ao invés de ter se acomodado na posição do intelectual bem sucedido, na opinião da headhunter, ajudou a consolidar seu posicionamento diferenciado entre os escritores da área. "Ele aceitava participar de videoconferências aos 90 anos", lembra. "Era muito ágil e revisitava sua obra constantemente". Sua simplicidade era, sem dúvida, uma de suas grandes virtudes. Em entrevista concedida ao Valor em 2001, Drucker -que datilografou suas respostas- contou que todo mês recebia três ou quatro e-mails de estudantes de todo o mundo pedindo dicas sobre o que escrever no paper (trabalho de conclusão de curso) e, sempre que possível, os atendia. Muitos, inclusive, mandavam suas solicitações na sua língua natal. [grifo meu] "Felizmente, consigo ao menos ler em inglês, alemão, espanhol, português, francês, italiano e holandês", disse o professor. "Devo confessar que tenho um pouco de problema com e-mails em letras cirílicas, por exemplo, da Bulgária ou da Ucrânia", acrescentou modestamente. Nascido na Áustria, Drucker fez doutorado em direito público e internacional na Universidade de Frankfurt (Alemanha), onde trabalhou em um jornal econômico até mudar-se para Londres e depois para os Estados Unidos, em 1937. Em seus estudos, sempre falou sobre a importância da criação de uma sociedade global como a grande questão para o crescimento econômico. "Ele terá de se basear no desenvolvimento dos mercados domésticos das principais regiões semidesenvolvidas, México e Brasil no hemisfério ocidental, China e Índia na Ásia", declarou em 2001. "As oportunidades estão lá - mas os obstáculos (especialmente os colocados por política e governo) são muito grandes". Apesar de ser aclamado por suas interpretações sobre o futuro social, político e econômico das nações, Drucker era bastante auto-crítico sobre suas análises. "Ele tinha uma nobreza fora do comum no mundo acadêmico", diz o professor VanDyck Silveira, diretor executivo do Ibmec de Minas Gerais, aluno de Drucker na School of Politics and Economics (SPE), em Claremont. Ele lembra o dia em que Drucker reconheceu seu maior erro na época em que trabalhou como jornalista. "Ele recomendou em um jornal de Londres que os investidores comprassem ativos de grandes empresas em 1929, às vésperas do crash da Bolsa de Nova York", conta Silveira. Em uma de suas últimas entrevistas concedida ao jornal britânico "Financial Times" pouco antes de morrer, Drucker, bastante lúcido, fez declarações marcantes sobre economia, tecnologia, sociedade e história. Admitiu, por exemplo, que depois de 23 anos ensinando em cursos de MBA ele achava tudo aquilo uma grande perda de tempo. Para ele, os alunos precisam de mais experiência e background. "Você não pode ensinar alguém a administrar", disparou. Em sua visão, a administração não é arte nem ciência, mas prática. "Deve ser medida não por condecorações acadêmicas mas por resultados". No fim da vida, Drucker mostrou ainda ser um pensador contumaz. Falou sobre a importância dos executivos atuarem junto ao terceiro setor, os problemas surgidos com a tecnologia da informação, como as organizações devem aprender a funcionar como orquestras e não como exércitos, entre outros tópicos. Ele sempre teve a autoridade para falar sobre o que quisesse. Nos últimos anos, deu aulas de artes orientais e contemporâneas. Certa vez, o presidente da HSM do Brasil, Carlos Alberto Júlio, ao jantar na casa de Drucker, perguntou como ele conseguia saber tanto e de forma tão profunda assuntos que vão além da administração. Ele respondeu: "Quando tinha vinte anos resolvi eleger um tema fora da minha área profissional e estudá-lo a fundo por cinco anos. Hoje com a internet e o acesso ao arsenal das livrarias e bibliotecas, recomendo que você eleja dois temas a cada três anos". Júlio diz que esta lição nunca esqueceu. Ela é altamente recomendada na rápida era da informação. O segredo da longevidade de Drucker, então, é simples e serve para qualquer um, o importante é aprender sempre.

Fonte: Stela Campos e Andrea Giardino - Valor Econômico.

site: http://www.revistadigital.com.br/empresas.asp?CodMateria=2974

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