31 março, 2006

Japoneses e europeus trocam acusações sobre padrão de TV digital

30/03/2006 - 19h13


da Folha Online

Enquanto o governo não bate o martelo sobre o padrão tecnológico que será adotado para a TV digital brasileira, os representantes dos sistemas japonês e europeu travam uma "guerra" de informações pela imprensa na busca de apoio da opinião pública.

Por meio de nota à imprensa divulgada ontem a Coalizão DVB, que representa os interesses do sistema europeu, aponta falhas no sistema japonês (ISDB). Hoje, os representantes do sistema japonês também divulgaram nota para rebater essas críticas.

O que dizem os europeus:

- TV aberta e gratuita no celular.
Sobre as informações que vêm sendo divulgadas em diversos veículos de que a TV aberta no celular deveria ser gratuita para a população brasileira, e que apenas o padrão japonês teria a capacidade de dar-lhe o devido suporte, a Coalizão DVB faz alguns esclarecimentos.
A Coalizão analisa quatro questões associadas à TV gratuita no celular, demonstrando que a sua implantação depende de um Modelo de Negócios coerente, assim como de um conjunto de requisitos a serem preenchidos pelo respectivo padrão tecnológico. E que o único padrão capaz de viabilizar a TV 100% aberta e gratuita é, na verdade, o padrão DVB.

- A viabilização da TV celular 100% gratuita para a população brasileira passa pela prática de subsídios.
O modelo de operação do negócio celular no Brasil pressupõe que a aquisição dos aparelhos celulares sejam subsidiados. Sem subsídios, não há como vendê-los à grande maioria dos consumidores, principalmente os de baixa renda. No Brasil, a massa atual desses subsídios é de aproximadamente R 1,8 bilhões anuais, devendo aumentar com a chegada dos aparelhos celulares com recepção de TV.
Assim sendo, as emissoras precisam encontrar fontes de receitas adicionais para viabilizar o subsídio ao usuário final. E atualmente não se conhecem outras fórmulas, além do aumento da oferta do conteúdo celular (e das respectivas receitas). Como o padrão japonês não permite ativar mais de um ou dois programas de recepção portátil dentro do mesmo canal de 6MHz, ele impede a ampliação das receitas das emissoras, inviabilizando dessa forma a implantação da TV celular 100% gratuita no Brasil.
De modo oposto, o padrão DVB faculta às emissoras a ativação de grande número de programas para recepção portátil, dentro do canal de 6MHz ou fora dele, permitindo a geração das receitas adicionais necessárias à implantação da TV celular100% gratuita no Brasil.

- Problemas técnicos estruturais podem comprometer a implantação da TV celular no Brasil.
Visando reduzir o consumo de bateria, o padrão japonês optou pelo uso de um segmento de freqüências (430KHz) da banda total do canal de 6MHz. Essa medida, no entanto, causou um problema estrutural, de difícil solução, que impede o emprego da técnica de "diversidade de freqüências", necessária ao aumento da robustez do sinal em ambientes tipicamente urbanos.
O padrão DVB, por sua vez, não possui esse tipo de problema estrutural, pois deixou de segmentar o canal, em favor de técnicas mais avançadas de chaveamento temporal e de interface IP, dentro do canal de 6MHz com espalhamento espectral.
O resultado prático é claro: enquanto redes experimentais DVB testadas com sucesso avançam para uso comercial(inauguração de operação comercial durante a olimpíada de inverno em Torino e de novas operações comerciais anunciadas para a copa do mundo),redes experimentais ISDB-T para celulares ainda nem existem.
Corroborando essa situação, a segunda maior operadora celular japonesa (KDDI) anunciou que adotará celulares com padrão proprietário de TV digital da Qualcomm, em detrimento do uso do padrão japonês ISDB-T de TV portátil.

- O alto consumo de bateria complica em muito a aceitação da TV celular.
O consumo esperado para celulares do padrão japonês é alto, variando de 120 a 150mW (1 a 2 horas de vídeo),complicando sua aceitação num ambiente competitivo.
Usando técnicas mais modernas de chaveamento temporal, o consumo típico no padrão global DVB é de 50mW (3 a 4 horas de vídeo).
É importante frisar que os problemas com capacidade de bateria constituem um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento do negócio celular. Na prática, operadoras celulares poderão chegar ao limite de bloquear a comercialização de aparelhos celulares que tenham o tempo de conversação reduzido (fonte principal das receitas),se isso for causado pelo consumo excessivo de bateria para o serviço da TV gratuita.

- Aparelhos celulares com TV digital de padrão pouco utilizado poderão não existir no Brasil. Do ponto de vista de economias de escala mundial, a combinação de padrões "celular/TVD" claramente viável é a do GSM/DVB. Trata-se da combinação de dois padrões abertos e globais, de ampla aceitação e do mais baixo custo, em cada uma de suas categorias.
A combinação dos celulares GSM com o padrão de TV japonês, por sua vez, não deverá existir na prática, visto que não existe em nenhum país do mundo. Mesmo que o Brasil viesse a adotar o padrão japonês, seus volumes seriam baixos, dentro de uma perspectiva internacional, inviabilizando sua produção.
A combinação do padrão 3G celular, o UMTS (que existe no Japão e deverá existir no Brasil a partir de2008) com o padrão de TV japonês, ainda não passa de uma incógnita. Caso venha a ser regularmente produzido no Japão, a baixa economia de escala proporcionada pelo mercado japonês (2% da população mundial) o predestina para a minoria da população brasileira de alta renda, o que por si só inviabiliza o modelo de negócios da TV celular gratuita, que deveria voltar-se à maioria da população brasileira, que é de baixa renda.
Assim sendo, caso a escolha do Governo recaia sobre o padrão japonês, tudo indica que não existirá produto econômico para a TV celular gratuita, ou seja, ela não se viabilizará.

A reação dos japoneses:

Yasutoshi Miyoshi, representante no Brasil do Grupo Japonês que negocia o sistema ISDB-T, refuta as informações sobre "TV aberta e gratuita no celular", divulgadas pela coalizão DVB.

- Telefone celular com receptor de TV digital requer subsídios.
De fato, os aparelhos de telefone celular são subsidiados no modelo de operação no Brasil. De forma análoga, o subsídio por parte das operadoras de telefonia celular também existe no Japão. Lá, os operadores subsidiam os aparelhos por entenderem que o acesso à televisão digital gratuita que contempla recursos de interatividade (compra por televisão, acesso a internet, etc.) gerará tráfego de dados (serviços tarifados), e as operadoras obterão receita adicional que irá custear o subsídio.

- Limitação para transmitir múltiplos programas para receptor portátil dentro de um mesmo canal de 6Mhz.
No ISDB-T, os 13 segmentos da banda podem ser organizados em três camadas (agrupamentos) permitindo transmitir três programas dentro de um mesmo canal de 6MHz (combinação de transmissão de conteúdo HDTV, SDTV, LDTV). Este não é um limite técnico, mas apenas do formato da especificação hoje estabelecida.
No entanto, a flexibilidade construtiva da segmentação da banda presente no ISDB-T permite transmitir programas em cada um dos 13 segmentos, ou seja, é possível ter a transmissão de 13 programas dentro de um único canal de 6MHz.

- Modelo de receita da TV portátil.
A disponibilidade de mais programas não se traduz em aumento das receitas, seja pela venda dos programas, seja pelo aumento do espaço publicitário, pois não se espera que os usuários assistam a dois ou mais programas simultaneamente.
De concreto, a tecnologia que permite assistirmos aos programas de televisão em receptores portáteis resultará na oportunidade de termos acessos aos conteúdos televisivos com qualidade, propiciando a criação de novos "prime times", durante o deslocamento para o trabalho ou escola, durante o almoço e intervalos, em benefício aos consumidores, e poderá resultar em receita adicional para os radiodifusores.
É importantíssimo destacar a flexibilidade do sistema ISDB-T, que pode transmitir múltiplos (13) programas aos receptores portáteis dentro de um único canal de 6MHz, se assim for o modelo implantado no Brasil.

- Tecnologia para assegurar a robustez na recepção de sinais nos receptores portáteis.
De fato a técnica de "diversidade de freqüências" permite em tese o aumento de robustez em relação à "segmentação da banda" somente.
Mas o sistema ISDB-T utiliza o "Time Interleaving Tool" em combinação com a "segmentação da banda", técnica também presente nas transmissões para receptores fixos, o que assegura uma excelente performance em termos de robustez na recepção de sinais.
Este é um fato já amplamente comprovado nos testes de avaliação das recepções tanto para receptores fixos como móveis e portáteis, trabalho este realizado por especialistas brasileiros ao longo dos últimos anos.
Importante ressaltar a excelência da performance do sistema ISDB-T, tanto que a população japonesa já aprecia esta nova forma de assistir a televisão nos dispositivos portáteis (telefones celulares, DVD players, portáteis e notebooks). Isso ocorre desde dezembro de 2005, quando os primeiros terminais foram disponibilizados no mercado.
Conforme já anunciado, e cumprindo rigorosamente o cronograma de implantação, daqui a menos de 24 horas será feita a inauguração oficial da transmissão comercial em 29 das 47 províncias japonesas, com a realização de eventos que marcarão o início deste novo serviço.
O sistema japonês de TV digital não nega que a técnica de "diversidade de freqüências" em combinação com o "chaveamento temporal" também permite a robustez requerida na recepção portátil, mas cabe reiterar que trata-se de uma das opções para viabilizar a robustez na recepção portátil.

- Durabilidade da bateria no terminal portátil.
O telefone celular hoje comercializado no mercado japonês permite assistir a programação de televisão por aproximadamente duas horas, com o uso de uma bateria de 830mAh, capacidade comumente utilizada nos telefones celulares. Esta durabilidade foi confirmada pelos especialistas do Laboratório de TV digital da Universidade Mackenzie, que possuem os receptores comerciais.
Conforme notas divulgadas anteriormente por fabricantes de celulares, um receptor de telefone móvel pode empregar uma bateria de 1500mAh, ou seja, com o dobro da capacidade, permitindo utilizar o recurso de televisão por aproximadamente quatro horas. Nesse sentido, a durabilidade de baterias se equivalem nos dois sistemas.

- Trabalho da KDDi (operadora japonesa de telefonia celular)
Cabe aqui reiterar que os telefones celulares que a empresa KDDi comercializa hoje no Japão são do sistema ISDB-T, único sistema de radiodifusão regulamentado e aprovado dentro do território japonês.
Existe sim um trabalho da KDDi para o estudo da viabilidade de se introduzir o serviço de distribuição de conteúdo "pago" para os terminais portáteis, em alternativa a tráfego de dados.

- Construção do aparelho de telefone celular com receptor ISDB-T.
O circuito de televisor apenas compartilha a tela do aparelho com a função do telefone. Para tanto, basta acrescentar ao telefone o chip e os circuitos de recepção de televisão digital nos celulares para disponibilizar o "telefone celular receptor de televisão".

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u106452.shtml

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