23 março, 2006

A fraude das '10000 obras': até consulta ao dentista vira obra

Carla Rocha e Fábio Vasconcelos

O governo do estado trabalhou de verdade para chegar à marca das dez mil obras que originou a campanha oficial veiculada nos meios de comunicação. Foram consideradas obras itens inusitados como aquisição de equipamentos e até “atendimento odontológico” no Rio e “fornecimento de medicamentos para unidades prisionais” — com a informação adicional de que foram usadas neste caso verbas federais do SUS, no total de R$ 1.002.610,56. Em vez de se limitar à execução de obras, o governo engrossou seu balanço com o material usado para fazê-las como o fornecimento de 3 mil manilhas para São João de Meriti, ainda com a ressalva de que contou com a ajuda da prefeitura local.

Uma análise de toda a lista — alguns itens foram retirados pelo governo estadual na nova versão que está na internet — revela uma série de pérolas. Só o sistema penitenciário merece um capítulo à parte. Além do tratamento dentário dos presos, também foram mencionadas a “assistência jurídica ao apenado” e a “gestão do trabalho do preso”.

Há ainda casos envolvendo o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) que teve a sede beneficiada por um “serviço de limpeza do sistema de dutos de ar-condicionado central”. Por sinal, o DER — responsável por boa parte das obras da lista oficial do estado, algumas em xeque porque não teriam sido executadas — soube cuidar de si mesmo. Além de obras em seus sanitários e na copa de sua sede, fez ainda a reforma do quadro de proteção da casa de força.

Na mesma linha, a sede do governo estadual também teve o seu quinhão das obras. Está na lista a “restauração com execução de recapeamento asfáltico das alamedas internas do Palácio Laranjeiras”, onde moram a governadora Rosinha Garotinho e sua família. Os funcionários da 1 Vara da Infância e Juventude foram contemplados com a reforma de sua cantina.

As pequenas intervenções, obras de reparo ou serviços em geral saltam aos olhos porque representam um parte considerável da lista. Por todo o estado, foram computadas instalações de pistas de exame de veículos de duas rodas. Uma delas foi na Lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Parque dos Patins. Uma visita ao local mostra que a obra consiste na pintura de faixas no asfalto para que os motociclistas façam exames de direção, colocação de sinalizadores e construção de uma prancha de cimento — que tem 25 metros de cumprimento, por 30 centímetros de largura e quatro de altura — usada para testes de equilíbrio.

— Muitas vezes, mesmo sendo pequena a intervenção, trata-se de uma obra. Mas é preciso que haja algum beneficiamento, uma construção. Não é o caso, por exemplo, de compra de equipamentos ou de um serviço de sondagem que, na maioria das vezes, é um procedimento meramente técnico — explica o presidente do Crea-RJ, Reinaldo Barros.

Mas o levantamento do potencial hídrico de Jardim Graciema, em Maricá, também está lá na lista — no bairro, não há água encanada.

Aparelho de raios-X está na relação

O fornecimento e a aquisição de equipamentos foram incluídos entre as realizações do estado. Vale citar a “aquisição de rotor inox para o grupo 02 da elevatória de Japuíba”, em Angra dos Reis. Ou de aparelho de raios-X para o Rio. Ou ainda o fornecimento de micromedidores para vários municípios no item saneamento básico, tendo como beneficiadas algumas cidades da Baixada Fluminense, como Queimados, Duque de Caxias e Belford Roxo, entre outras.

Para terminar, alguns itens aparecem mais de uma vez. A pavimentação da RJ-93 nos trechos de Paracambi e Japeri é citada quatro vezes, duas para cada cidade beneficiada.

Fonte:
http://oglobo.globo.com/jornal/rio/194040184.asp

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