20 março, 2006

‘Email-dependente’ é, na verdade, um sofredor

Rio, 20 de março de 2006

Três horas é o máximo que Michelle consegue ficar sem email. Segundo a pesquisa da Symantec, os dependentes gastam mais tempo com emails por dia (em média, 2,6 horas/dia), checam a primeira vez antes das 9h da manhã e enviam e recebem mais emails do que os usuários das outras categorias (disciplinados; fóbicos e sobrecarregados).

O webdesigner Marcello Guerra é um sobrecarregado que também é dependente. Ele recebe tantos emails (em média, mil por dia!) que teve que criar uma “superconta” para receber todos no mesmo endereço.

— Como são muitas contas (são sete) acabo utilizando serviços que concentrem todas em uma interface só, como um agregador. Assim fica muito mais fácil checar e responder um maior número de mensagens ao mesmo tempo — diz Marcello. — Estando conectado a essa superconta, a atualização pode ser feita de maneira quase instantânea.

Aqui entra uma outra característica do dependente: ele não consegue deixar mensagens não lidas ou não respondidas dando sopa na caixa de entrada. No caso de Marcello, o alto número de mensagens impede as respostas imediatas.

— Esse é um dos desafios de quem lida com muitas pessoas e, portanto, muitas respostas a serem enviadas. A melhor maneira de respondê-las ou pelo menos reduzir as chances de você esquecer é mantê-las em uma lista de prioridades. Alguns leitores de email se permitem colocar marcas (labels) em algumas mensagens como um lembrete para serem respondidas. É importante responder. Pode demorar, mas tem que responder.

Para Michelle, email não respondido é sinônimo de desespero. Só para comprovar a afirmação, ela levou apenas 15 minutos para responder 15 questões sobre email que o Info etc enviou para ela.

— Sempre falo para os meus amigos: é mais fácil falar comigo por email do que por telefone. Pode perguntar pra todos eles se eu não respondo todos os emails que me mandaram. Se passou mais de um dia na caixa de entrada é porque tem algum problema — brinca.

Como dar conta de várias contas de email

Michelle ainda consegue concentrar suas mensagens pessoais em apenas uma conta de email, no caso o Gmail, que substituiu todas as outras. Já o diretor de comércio exterior Eduardo Martins padece com as 11 (sim, 11!) contas de email que gerencia, a maioria de trabalho. Seguindo as conclusões da pesquisa da Symantec, Eduardo se encaixaria na categoria “dependente”, mas também poderia ser classificado como “sobrecarregado” — usuário que é bombardeado por emails e encontra dificuldade para lidar com isso.

— Eu envio bastante, mas os que chegam são em maior número devido a contatos comerciais e leitores de meus blogs. Estou com 178 mensagens não lidas numa das caixas e pretendo lê-las em no máximo três dias — diz.

Afinal, email causa estresse ou perda de produtividade?

Mesmo dando trabalho, o executivo continua obcecado pela tarefa de receber e enviar mensagens eletrônicas. Tanto que admite que quando não consegue ter acesso ao email — por falta de conexão, luz, etc — ele sai em busca da lan house mais próxima.

— Já cheguei a pedir por telefone a um amigo para acessar de seu local e me ditar o conteúdo do email. Com a devida troca da senha após a operação, é claro. Sou um verdadeiro adicto cibernético. Um Infoescravo — admite.

Estresse é o primeiro grande impacto na vida dos “email-dependentes”, mas há outros mais graves. Para as empresas, a perda de produtividade é uma dor de cabeça.

— O email é uma ferramenta de comunicação eficiente mas muitas vezes substitui uma ferramenta mais coerente, como uma conversa, um encontro ou uma reunião. Mandar um email para o colega que está do seu lado perguntando se ele quer almoçar com você é um mau uso do email — diz Christopher.

De acordo com a pesquisa da Symantec, está aumentando a quantidade de tempo que os funcionários de empresas estão gastando com email, mesmo que de trabalho. Dos 1.700 entrevistados, 52% gastam duas horas ou mais por dia enviando e recebendo mensagens; 15% gastam quatro horas por dia com a tarefa, num total de dois dias úteis por semana.

— A perda de produtividade está ligada à forma como a pessoa gerencia seu email. Existe uma expectativa explícita de responder e ler na hora. A pessoa se sente obrigada a responder e isso gera um stress. A pessoa fica tão estressada que isso acaba tendo um impacto em sua produtividade — diz Christopher.

O excesso que faz mal: email também é compulsão

Para o empresário Daniel Aisenberg, o excesso pode atrapalhar.

— Tenho mania de assinar listas de discussão e newsletter demais. São todas interessantes, mas não tenho como ler tudo. Aí, eu mesmo aumento a ansiedade gerada pelo excesso de informação. Como a gente mesmo contribui para aumentar o problema, né? E a tendência é ficarmos cada vez mais angustiados, porque a oferta de informação só cresce, enquanto a nossa capacidade de acompanhar...

Daniel tocou num ponto essencial da discussão: o excesso de informação provoca angústia. É o que confirma a psicanalista Ana Cláudia Vaz, para quem o vício de email é um problema grave, embora recente.

— A máquina intermedeia as relações humanas de uma forma penosa. Antes você tinha mais comparecimento. Agora, o email dá a ilusão da proximidade. A compulsão por email é uma tentativa de a pessoa mostrar que dá conta de tanta informação. As demandas crescem com muita velocidade e o sujeito não tem mais tempo. Com o passar do tempo, isso pode gerar efeitos.

O jornalista e blogueiro Fausto Rêgo tenta resistir bravamente ao vício do email quando está em seus momentos de lazer. Como sua obsessão é pelo email do trabalho, ele tenta manter uma distância saudável quando sai da labuta.

— Se estiver viajando, não checo. Às vezes, passo em frente a um cibercafé e fico brincando, dizendo: “Internet, preciso de internet”. Mas resisto bravamente. Agora, se estiver em casa, de bobeira, dou uma olhadinha de vez em quando.

Fausto é um exemplo de autocontrole. Como outro vício qualquer, a dependência do email também exige disciplina e força de vontade. Como ele diz, “existe vida lá fora”.

— Trabalho com internet e comunicação e gosto disso. E usar email virou parte da minha vida, especialmente da vida profissional. Mas existe vida lá fora, faço questão de me lembrar disso. O mundo real ainda pode ser bem melhor que o virtual.


Fonte:
http://oglobo.globo.com/jornal/suplementos/informaticaetc/192334451.asp

Um comentário:

Anônimo disse...

A Michelle já abriu outras 2 contas após a matéria (incorrigível) e eu consegui evoluir para 'apenas' 6. Um Infoescravo que se preze é dependente, não tem jeito.

Mas ainda estou com algumas dezenas de mensagens [não 178] não lidas nas caixas.

Legal, a divulgação da matéria, Haroldo. Lembrando que o link pra matéria do O Globo já está quebrado [não fica muito tempo no ar].

Depois dá uma passada lá no Blog inconsciente que tem sempre umas discussões sobre assuntos interessantes.
O Infoescravo também continua no ar e mais viciante do que nunca.

forte abraço

Eduardo Martins Tetera