19 dezembro, 2005

Instituições tradicionais questionam velhos moldes

15/12/2005

Para as pessoas com uma certa idade e formação educacional, é difícil pensar em uma educação superior sem pensar em instituições antigas. Algumas universidades são de uma época venerável - a Universidade de Bolonha foi fundada em 1088, a Universidade de Oxford em 1096 - e muitas delas prezam muito a tradição. As verdadeiramente antigas aproveitam ao máximo seus pedigrees, e aquelas antigas, mas nem tanto, dão duro para criar uma aura de antiguidade.

Ainda assim, essas instituições que amam a tradição (ou amam criar a tradição) estão passando atualmente por um vendaval de mudanças tão fundamentais que alguns afirmam que a simples idéia da universidade está sendo colocada em xeque. As universidades estão experimentando novas maneiras de financiar (principalmente via taxas pagas pelos estudantes) a formação de parcerias com companhias privadas e se engajarem em fusões e aquisições. Tais mudanças estão mexendo com suas raízes.

Isso está acontecendo por quatro motivos. O primeiro é a democratização do ensino superior - massificação, na linguagem dos educadores. No mundo desenvolvido, a "massificação" já vem ocorrendo há algum tempo. A proporção de adultos com formação superior nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quase dobrou entre 1975 e 2000, de 22% para 41%. Mas a maioria dos países ricos ainda luta para digerir este enorme crescimento dos números. E agora a massificação está se disseminando para o mundo em desenvolvimento. A China dobrou sua população de estudantes no fim dos anos 90, e a Índia está tentando fazer o mesmo.

O segundo motivo é a ascensão da economia do conhecimento. O mundo está prestes a sofrer uma "revolução branda", na qual o conhecimento está substituindo os recursos físicos como principal condutor do crescimento econômico. A OCDE calcula que entre 1985 e 1997 a contribuição dos setores baseados no conhecimento para o valor total agregado aumentou de 51% para 59% na Alemanha e de 45% para 51% no Reino Unido. As melhores companhias estão agora devotando pelo menos um terço de seus investimentos para alvos intangíveis e que dependem muito do conhecimento, como pesquisa e desenvolvimento, licenciamento e marketing. As universidades estão entre os motores mais importantes da economia do conhecimento. Elas não só produzem os trabalhadores cerebrais que a manejam, como também fornecem grande parte de sua espinha dorsal, de laboratórios a bibliotecas e redes de computadores.

O terceiro fator é a globalização. A eliminação da distância está transformando o meio acadêmico de uma maneira tão radical quanto está transformando os negócios. O número de pessoas dos países da OCDE que estudam fora dobrou nos últimos 20 anos, para 1,9 milhão; universidades estão abrindo campi em todas as partes do mundo; e um número crescente de países estão tentando transformar o ensino superior em uma indústria exportadora.

O quarto fator é a competição. As universidades tradicionais estão sendo forçadas a competir por estudantes e subvenção de pesquisas, e as companhias privadas estão tentando entrar em um setor que elas consideram como "o novo setor de saúde". O Banco Mundial (Bird) calcula que os investimentos globais com ensino superior chegam hoje a US$ 300 bilhões por ano, ou 1% do PIB mundial. Há mais de 80 milhões de estudantes no mundo, e 3,5 milhões de pessoas são empregadas para ensiná-los.

Tudo isso soa como se uma era dourada tivesse chegado para as universidades. Mas dentro do mundo acadêmico, especialmente na Europa, a coisa não soa assim. Os acadêmicos reclamam do "declínio do domínio das idéias" (título de um livro do sociólogo A.H. Halsey), e os administradores estão tendo problemas em lidar com os políticos que os financiam. O que deu errado?

O maior problema é o papel do Estado. Se mais e mais governos estão abraçando a massificação, poucos deles estão dispostos a tirar a conclusão apropriada de seu entusiasmo: a de que eles deveriam fornecer os recursos requisitados (como os países escandinavos fazem), ou permitir às universidades cobrarem de uma maneira realista pelo ensino que propiciam. Muitos governos vêm tentando fazer o impossível através de uma administração mais rígida, mas a administração não pode compensar a falta de recursos.

Portanto, em grande parte do mundo acadêmico, o famoso ditado do escritor Kingsley Amis, de que mais significa pior, está começando a valer. Os salários acadêmicos estão caindo, quando medidos contra os de outras profissões, e os prédios e bibliotecas estão se deteriorando. Em mega-instituições como a Universidade de Roma (180.000 alunos), a Universidade Nacional do México (mais de 200.000) e a Anadolu University da Turquia (530.000), a atenção individual ao estudante caminha para ter um papel secundário.

O conservadorismo inato da profissão acadêmica não ajuda. A universidade moderna nasceu em um mundo muito diferente do atual, um mundo onde apenas uma minoria diminuta da população chegava ao ensino superior. Mesmo assim, muitos acadêmicos vêm relutando em fazer concessões à massificação. As universidades italianas, por exemplo, ainda insistem que todos os estudantes passem por um exame oral conduzido por um professor, que dura em média cerca de cinco minutos.

O que pode ser feito, se é que alguma coisa pode ser feita? Os utopistas da tecnologia acreditam que o ensino superior está pronto para a revolução. A universidade, dizem eles, é uma instituição antiquada e sem futuro, agarrada a práticas ultrapassadas como as conferências e o direito que os professores têm de continuarem lecionando indefinidamente, e incapaz de servir o grande público de um novo mundo e fornecer informações em tempo real. "Daqui a 30 anos, os grandes campi serão uma relíquia", afirma Peter Drucker, veterano guru da administração. "Eu considero a universidade americana dos últimos 40 anos um fracasso". Felizmente, na sua visão, a ajuda está a caminho na forma do ensino pela internet e das universidades com fins lucrativos.

Os conservadores culturais, por outro lado, acreditam que a melhor maneira de seguir adiante é voltar atrás. Os dois princípios que regem a política moderna para o ensino superior - democracia e utilidade - são "degradações do dogma acadêmico", para usar uma frase do falecido Robert Nisbet, outro sociólogo. Eles acreditam ser perda de tempo proporcionar um ensino superior para pessoas que prefeririam estar estudando "Seinfeld" a Sócrates, e desonesto confundir a busca da verdade com a busca de lucros.

O argumento conservador cai ao primeiro obstáculo: a praticidade. O ensino superior está rapidamente seguindo o caminho do ensino secundário: está se tornando uma aspiração universal. A posição tecno-utópica é superficialmente mais atraente. A internet certamente vai influenciar o ensino, e as universidades com fins lucrativos deverão sacudir um mercado moribundo. Mas há limites.

Poucos anos atrás um relatório da Coopers & Lybrand afirmou que a educação online poderá eliminar os dois maiores custos do ensino superior: "O primeiro é a necessidade de tijolos e cimento; os campi tradicionais não são necessários. O segundo é a faculdade de período integral. O aprendizado online envolve apenas um pequeno número de professores, mas tem o potencial para alcançar um mercado enorme de estudantes". Isso não faz sentido. O toque humano é mais vital para o ensino superior do que a alta tecnologia. A educação não é só transmitir um conjunto de informações, o que a internet faz muito bem. A educação diz respeito ao aprendizado para que se possa argumentar e raciocinar, o que se faz melhor em uma comunidade de estudantes.

O acontecimento mais significativo no ensino superior é o surgimento de uma super-liga de universidades globais. Isso é revolucionário no sentido de que essas instituições consideram o mundo inteiro como seu palco, mas é também uma evolução na medida em que elas ainda estão apegadas ao ideal de uma comunidade de estudantes e professores que combina o ensino com as pesquisas.

O problema para os formuladores de políticas é como criar um sistema de ensino superior que equilibre as demandas gêmeas de excelência e acesso de massa, que abra espaço para universidades de elite globais ao mesmo tempo em que vai cuidar do grande número de estudantes medianos, que explore as oportunidades fornecidas pela nova tecnologia ao mesmo tempo em que reconhece que a educação precisa de um toque humano.

Na verdade, nós já possuímos um modelo bem sucedido de como organizar o ensino superior: o modelo dos Estados Unidos. Esse país detém quase o monopólio das melhores universidades do mundo, mas também proporciona acesso ao ensino superior a grande parte das pessoas que o merecem. O sucesso do ensino superior americano não é só resultado de dinheiro (embora isso ajude); é o resultado da organização. As universidades americanas são muito menos dependentes do Estado do que suas concorrentes de outros países. Elas conseguem suas receitas junto a uma variedade de fontes, de mensalidades de estudantes e ex-alunos nostálgicos, de homens de negócios a filantropos. E elas existem em uma grande variedade de formatos e tamanhos, de Princeton e Yale ao Kalamazoo Community College.

Existem dois conselhos para os países que estão tentando criar sistemas de ensino superior bem sucedidos, sejam eles novatos como a Índia e a China, ou países como a Alemanha e a Itália. Primeiro: diversifiquem suas fontes de receita. Pechinchar com o Estado acabou se mostrando um pacto com o diabo. Segundo: deixem que milhares de flores acadêmicas desabrochem. As universidades, incluindo as que têm fins lucrativos, deveriam competir por clientes. Uma economia sofisticada precisa de uma grande variedade de universidades perseguindo uma grande variedade de missões. Esses dois princípios reforçam um ao outro: quanto mais o papel do Estado diminuir, maior será a variedade educacional.

Tradução de Mário Zamarian.

Autor: n.d.
Email do Autor: n.d.

Fonte: The Economist

Fonte:
http://www.revistadigital.com.br/tendencias.asp?NumEdicao=334&CodMateria=2989


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