16 dezembro, 2005

As vantagens e os perigos da Medicina Baseada em Evidências

(notícia publicada na revista eletrônica ComCiência)

Falar em "Medicina Baseada em Evidências" (MBE) agora é moda em cursos, congressos e seminários médicos. O termo está se popularizando até mesmo em consultórios, mas o público em geral ainda não sabe do que se trata. Desenvolvida por pesquisadores canadenses, na década de 80, a Medicina de Evidências contrapõe-se à educação médica tradicional e questiona a figura do médico como um sábio detentor da verdade sobre a saúde do paciente. "A MBE não baseia-se apenas na dedução de observações ocasionais, e nas opiniões da autoridade dos grandes mestres, mas propõe que toda intervenção seja orientada pelas evidências obtidas a partir de experimentos científicos bem conduzidos", diz Otávio Clark, do Núcleo Brasileiro de Oncologia Baseado em Evidências e consultor de convênios médicos. No entanto, a aceitação deste princípio envolve uma série de controvérsias, como a de que as pesquisas médicas não são "neutras" e, portanto, não podem proporcionar uma garantia total ao paciente.

A Medicina de Evidência popularizou-se nas universidades e faz parte da formação dos novos profissionais da área. Um exemplo simples pode mostrar seu funcionamento na prática: quando um médico indica antibióticos para um paciente, está se baseando em pesquisas que demonstram a evidência de que a maioria das pessoas tratadas desta maneira consegue obter a cura. A mesma comparação serve para um determinado exame preventivo. Se grande parte das pesquisas mostra que ele só é necessário a partir dos 50 anos, esse será o procedimento adotado na área. O objetivo é tomar a decisão médica a partir do maior número de informações, baseadas em artigos científicos especializados.

As autoridades de saúde, convênios médicos e planos de saúde são grandes defensores do método, porque almejam a padronização dos atendimentos para redução de custos e controle sobre terapias e exames. "Hoje, cerca de 25 mil revistas médicas são publicadas no mundo, mas menos de 10% dos artigos oferecem informação válida ou confiável", defende Clark. "As técnicas da MBE recuperam na literatura os melhores e mais confiáveis resultados de estudos clínicos, para se definir o que é mais eficaz e mais seguro para os pacientes", continua.

Entretanto, nos últimos anos, muitos médicos já começam a questionar a sua aplicação generalizada. Eles argumentam que a falta de evidências dos benefícios de certos tratamentos não pode ser considerada uma prova de ineficácia; além disso, o organismo de cada indivíduo possui certas peculiaridades - o que não funciona para um pode dar certo para outro. A técnica para a seleção de informações, em muitos casos, não seria totalmente neutra, porque envolveria interesses, por exemplo, da indústria e dos convênios que pagam médicos para fazerem pesquisas voltadas a seus produtos. "Sou contra o uso indiscriminado da Medicina de Evidências, que tem sido apropriado de maneira equivocada pelos convênios e planos de saúde", diz o médico intensivista do Hospital Oswaldo Cruz, com doutorado na USP, Carlos Eduardo Pompilio.

O pesquisador conta que já foi um "evidence-boy", com estatísticas na ponta da língua, mas hoje critica seu uso sem bom senso. Desde que começou a atender seus próprios pacientes, percebeu que os dados matemáticos não resolvem tudo. Para o médico, a MBE é uma ferramenta importante, porque exige a comprovação rigorosa da eficácia de tratamentos, mas desde que não seja utilizada de forma equivocada. "É preciso se perguntar de onde vêm as evidências, porque muitas pesquisas são financiadas por laboratórios e convênios", diz Pompilio. Em sua opinião, muitos médicos não usam a sensibilidade na avaliação do paciente. "O ser humano não é apenas um número, se a Medicina de Evidências explicasse tudo, não existiria efeito placebo (paciente curado com pílula de açúcar ou farinha)", conclui.

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