19 maio, 2006

Na crise, direita e esquerda trocam de discurso

Ciça Guedes


“O crime não tem fronteiras nem limitações, enquanto o Estado fica preso a
restrições, em posição de franca desigualdade frente aos bandidos. O mercado do
tráfico é nacional e assim os traficantes se organizam. Por isso tomam conta de
São Paulo e dão sinal de que podem fazer o mesmo em outros estados. (...) É
preciso compreender também, e principalmente, que o crime organizado já
estabeleceu ele mesmo a regra da violência e o cidadão hoje é refém dela.”





De quem é o texto acima:



a) do deputado-militar Jair Bolsonaro



b) do diretor-geral da Polícia de São Paulo, Marco Antônio Desgualdo



c) de Aldo Rebelo, do PCdoB-SP, presidente da Câmara



d) de Cláudio Lembo, governador de São Paulo



Difícil? Então tente este:



“Acho que tudo isso foi um grande alerta para o Brasil. A situação
social e o câncer do crime são muito maiores do que se imaginava. (...) A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. É um país que, quando os escravos foram libertados, quem recebeu a indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. O cinismo mata o Brasil. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem destruir. (...) A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais diálogo (...).
Se nós não mudarmos a mentalidade brasileira, o cerne da minoria branca brasileira, não vamos a lugar algum.”




O primeiro balanço sobre a violência em São Paulo é do comunista Aldo e o segundo, de uma entrevista à “Folha de S.Paulo”, do pefelista Lembo, representante da elite paulistana que foi secretário de Jânio Quadros na Prefeitura de São Paulo e compôs chapa com Aureliano Chaves para a Presidência da República em 1989.



Deu a louca na ideologia, com os representantes de esquerda e direita trocando de discurso?



— Apavorados com o processo eleitoral, eles tentam redistribuir as perdas. Aldo teme que a população se volte contra o Congresso, que demorou a votar as medidas de segurança pública e gastou tempo debatendo e votando as férias e a remuneração dos parlamentares. Teme que falar moderadamente mostre fragilidade numa situação tão grave. Já o governo de São Paulo não tomou as medidas que deveria e, agora, suprime as liberdades mais básicas ao decretar um mandado de busca residencial coletivo — analisa o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).



A historiadora Ângela de Castro Gomes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), também atribui à proximidade das eleições os discursos fora do tom habitual:



— Boa parte dessas declarações, das falas das autoridades paulistas e de políticos como o ministro Tarso Genro e o senador Tasso Jereissati, está submersa no discurso eleitoral. Não se deve subestimar a percepção da população, que até certo ponto percebe que há uma briga entre poderes e políticos, que mais uma vez estão enrolando, que mais uma vez não estão levando a questão da segurança pública a sério como se deveria — diz Ângela.



O deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ) disse que tomou um susto ao ler as declarações de Cláudio Lembo:



— A elite paulista já está em pânico com as metralhadores dos criminosos voltadas para ela, e agora está também sob a metralhadora giratória do Lembo, um digno representante dos brancos, ricos, conservadores e reacionários do país que surtou. Baixou uma Heloísa Helena nele, não dá para entender. O Geraldo Alckmin deve ter pedido a ele para ficar um pouco mais à esquerda no governo, e ele errou a medida.



“Genocídio atinge o funcionário público pobre”



O historiador Daniel Aarão Reis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que é a desorientação que leva os políticos a mudar o discurso:



— Cada um fala o que imagina ser mais eficaz do ponto de vista imediato. Mas a situação piora cada vez mais. Se as drogas, que a Humanidade sempre usou, estão nos levando a essa situação tão terrível, que se descriminalize e abra o debate. Mas não se pode mais deixar como está uma legislação que manda para a cadeia um pobre que rouba R$ 200 e deixa solto o jornalista que matou a namorada. Está tudo de cabeça para baixo!



Francisco Carlos diz que a Justiça também tem uma enorme parcela de culpa:



— A Justiça não age, liberta criminosos em indulto sem avaliação, e depois dá mandado de busca coletivo. O genocídio em São Paulo atinge também o funcionário público pobre, que é o policial, o bombeiro.



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