02 maio, 2006

Mutação pode explicar a evolução do siso

01/05/2006 - 15h22

MARCELO LEITE
Colunista da Folha de S.Paulo

Sutis são os modos da genética. Uma tese de mestrado brasileira de 2004, que virou artigo científico no periódico da Academia Nacional de Ciências dos EUA, sugere que a presença ou a ausência de um dente de siso pode depender de uma variação mínima num gene que serve para muitas coisas.

A maioria das pessoas gosta de explicações simples para coisas complexas. Quanto mais se pesquisa o papel dos genes, porém, fica evidente que ele se parece mais com o caos da internet do que com o apertar de um botão.

O gene pax9, por exemplo, é um velho conhecido dos estudiosos do desenvolvimento embrionário. Ele é transcrito e empregado em momentos cruciais da formação do feto, como no surgimento dos dentes, da coluna vertebral, dos membros e céu da boca. Genes da família PAX fazem parte de um clã especial, que especifica fatores de transcrição --proteínas que disciplinam a ativação de vários outros genes, daí seu poder de influência.

Os geneticistas Maria Cátira Bortolini e Tiago Pereira decidiram fazer perguntas novas ao pax9, durante o mestrado de Pereira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por sua função-chave, o gene é muito conservado, ou seja, tem pouca variação entre indivíduos e até entre espécies. Mutações eventuais são eliminadas pela seleção natural, pois em geral tornam os embriões inviáveis.

Pereira seqüenciou (soletrou) os vários pedaços (éxons) que compõem o pax9 em três populações humanas (europeus, japoneses e índios), vários macacos brasileiros e um gorila. Verificou que as poucas e diminutas variações na seqüência, chamadas de polimorfismos, se concentram no éxon 3 do gene. Uma espécie de "janela evolutiva", escreveram os 12 autores de cinco países no artigo publicado no dia 11 de abril.

O trabalho também revelou a alta incidência, nos humanos, de uma variante especial, batizada Ala240Pro. Isso faz supor que o fator de transcrição ligeiramente modificado não só não tenha sido um desastre como possa ter trazido vantagem para seus portadores, passando assim a mutação para as gerações seguintes.

"A nossa hipótese é que tal polimorfismo tenha um efeito muito específico apenas na dentição, pois a dentição posterior (dentes de trás) parece depender unicamente do pax9", explica Pereira. Com a ligeira mudança causada pela substituição Ala240Pro, o fator de transcrição teria ficado um pouco menos ativo, diminuindo o sinal para a formação dos terceiros molares (dentes de siso) nos embriões afetados.

Os portadores da versão tradicional do gene, por seu lado, nasceriam com os quatro dentes de siso. Como sabe qualquer um que os tenha, são dentes propensos a problemas, como cárie e abcesso.
Milênios atrás, quando ainda não havia dentistas, livrar-se deles antes de nascer pode ter representado uma bela vantagem.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u14577.shtml

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