25 abril, 2006

Hermano Vianna, antropólogo: ‘A rua é a internet’

Bruno Porto


As mudanças recentes causadas pela popularização da internet deixaram a indústria cultural desorientada. Quem afirma é o antropólogo Hermano Vianna, um dos criadores do Overmundo <www.overmundo.com.br> — site recém-inaugurado que divulga a produção artística de regiões do país ignoradas pelo eixo Rio-São Paulo — e do programa de TV “Central da periferia”, da Rede Globo. Ele confirma que um dos setores mais afetados foi o fonográfico: “A indústria do disco quase acabou”, diz.



O GLOBO: Bandas que vendem milhares de CDs graças à internet, filmes que viram objeto de culto por causa de sites, blogs que revelam talentos literários... É uma revolução ou algo passageiro?



HERMANO VIANNA: É uma grande mudança. Talvez não cause o desaparecimento brusco do modelo anterior, que está tentando se adaptar à nova situação, muitas vezes combatendo as novidades com processos. Mas gerou outro campo de possibilidades para novos artistas produzirem e distribuírem seus trabalhos. Distribuição que hoje pode ter rápido alcance global, sem passar pelos meios de comunicação de massa antigos. A indústria cultural tradicional só consegue manter nos seus quadros um número reduzido de criadores se comparado à quantidade cada vez maior de gente fazendo arte. Veja a indústria fonográfica no Brasil: as grandes gravadoras têm quantos artistas contratados? Cento e poucos. Quanta gente faz música no Brasil? Milhares. Como os sem-gravadora serão escutados? Agora é muito mais fácil botar o bloco na rua. E a rua é a internet.



Essas mudanças são fruto de avanços tecnológicos, da decadência da indústria cultural ou de ambos?



HERMANO: As causas são muitas, mas os avanços tecnológicos foram fundamentais. Principalmente para as mudanças relacionadas à produção e à divulgação. Para a produção porque hoje todo computador pode se transformar num estúdio de gravação de sons e edição de vídeo. E para a divulgação porque todo micro conectado à internet pode exibir vídeos para o mundo. A indústria cultural passou a ter dificuldade para filtrar a quantidade cada vez maior de produção artística, e seu modo de produção não parece ter agilidade para acompanhar a cada vez mais veloz mudança de gostos e o aparecimento de tendências. O caso dos mercados de tecnobrega e funk carioca é exemplar: dependem cada vez menos do lançamento de CDs, pois os artistas colocam semanalmente sucessos nos bailes.



Os governos federal, estadual e municipal têm prestado atenção nessa mudança?



HERMANO: É uma situação muito nova para todos. O governo federal brasileiro é um dos mais avançados nos debates sobre software livre ou novos pensamentos acerca do direito autoral. São Paulo tem uma rede bacana de telecentros, tornando computadores e internet acessíveis nas periferias. É uma questão chave para o desenvolvimento de todo país: democratizar o acesso às ferramentas digitais. O povo brasileiro dá sinais claros de que tem talento para a produção cultural colaborativa na internet. O sucesso do Orkut é prova disso.



Que indústria está mais desorientada em relação a essas mudanças todas, a fonográfica ou a do cinema?



HERMANO: Toda a indústria de produção de conteúdo. A indústria de livros também não sabe qual será seu futuro. As novidades surgem todo dia. Há três anos, ninguém poderia prever o sucesso dos iPods. Hoje parece que o mundo sempre teve iPods e celulares que tiram e enviam fotos.



Você acredita que os CDs estão com os dias contados?



HERMANO: O CD já é passado. Talvez ninguém no futuro precise downloadar nada. As músicas e filmes e textos vão estar facilmente disponíveis via sistemas de transmissão sem fio em qualquer lugar. E talvez ninguém se interesse mais por música como conhecemos hoje, e sim por jogos sonoros, onde todos participarão de remixagens eternas do que até hoje já foi produzido. Sonho? Veremos.



A maioria dos músicos brasileiros não assume publicamente uma postura em relação a temas como copyright, samples etc. Por quê?



HERMANO: Muitos nem sabem o que está acontecendo... Mas muitos já sabem: como o próprio ministro da Cultura Gilberto Gil. Ele é um dos principais defensores do Creative Commons ( movimento que oferece alternativas ao modelo atual de direitos autorais) no mundo. Tanto que a reunião anual do Creative Commons vai ser realizada no Rio em junho.

Que lições bandas como Mombojó e Arctic Monkeys têm a oferecer?



HERMANO: A principal: oferecer músicas de graça na internet não tira dinheiro de ninguém. Pode acontecer o contrário: o dinheiro aparece justamente porque as músicas estavam ali de graça.



Você acha que qualquer pessoa pode aprender a explorar tudo oferecido pela internet ou concorda com quem diz que a rede pertence aos jovens?



HERMANO: Qualquer pessoa pode se dar bem com a internet. É claro que os mais jovens conseguem se familiarizar mais rapidamente. Algumas crianças já têm dificuldade de imaginar um mundo sem o MSN. O que elas vão fazer com esse acesso rápido a tanta informação? Ninguém sabe. São crianças com uma capacidade de atenção para muita coisa ao mesmo tempo e com uma mentalidade copiar-e-colar de tudo. É ruim ou bom? São novas vantagens e novos problemas. São seres diferentes, que podem pensar de maneira diferente.



Com a internet, surgiram várias profecias. O fim do jornal impresso, a queda do custo dos micros...Que profecia você acha que se concretizou?



HERMANO: Jornais e livros não acabaram. Ainda? Mas a indústria do disco quase acabou.



Como você vê a influência crescente dos blogs? Nos EUA, blogs políticos foram peças importantes na última eleição.



HERMANO: Os blogs brasileiros já têm grande importância. São cada vez mais citados pela grande imprensa.



Existem portais como o Overmundo no exterior?



HERMANO: Muitos. Quem quiser saber das nossas inspirações pode dar uma olhada na nossa página de créditos <www.overmundo.com.br/estaticas/creditos.php>. A grande diferença, além de algumas ferramentas, é o conteúdo. O Overmundo existe para ser um canal de divulgação/disponibilização da diversidade das culturas do Brasil. Antes era bem difícil saber o que estava acontecendo no rock do Amapá, na literatura do Mato Grosso, ou na arte de rua do Rio Grande do Sul. Tudo isso estava espalhado pela internet. Agora está tudo junto no Overmundo: você pode se informar sobre essas coisas ou informar todo mundo sobre essas coisas.



Como seria o Brasil se todos os jovens tivessem acesso fácil ao ciberespaço?



HERMANO: A internet não é uma solução para os problemas. Ela facilita o acesso às informações e à comunicação entre todos os seres humanos. Para usar bem essas facilidades, é preciso boa educação. A escola tem essa nova função: ensinar todo mundo a tirar o melhor proveito da internet.

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