04 abril, 2006

Busca de ET está pedindo ajuda

23/03/2006
Não foi possível completar sua chamada

Quando Sir Arthur C. Clarke, autor de "2001: Uma Odisséia no Espaço", começa a rodar por aí passando o chapéu, é sinal de que o bicho está pegando. O famoso escritor de ficção científica e futurólogo britânico está disparando e-mails, assinados em parceria com o astrofísico Dan Werthimer, para pedir dinheiro.

A causa é das mais nobres: manter em operação o programa SETI@Home, uma das idéias mais brilhantes (de várias) que a comunidade de pesquisadores trabalhando na busca por inteligência extraterrestre já teve.

O pressuposto por trás dessa caçada é a de que, se uma civilização inteligente existir lá fora, ela um dia vai topar com uma tecnologia chamada "rádio". Depois disso, não demoraria muito a perceber que essa novidade poderia servir não só para comunicação "intraplanetária" mas também para enviar sinais entre uma estrela e outra. De fato, nossas transmissões de televisão hoje já atingiram estrelas num raio de algumas dezenas de anos-luz. Se houvesse em uma dessas estrelas próximas uma civilização com um radiotelescópio suficientemente poderoso (vulgo uma megaparabólica), ela já poderia estar assistindo à nossa programação de TV e concluindo que provavelmente não existe vida muito inteligente no Sistema Solar.

A premissa então é essa. Será que tem alguém aí fora com capacidade de "ouvir" (e portanto enviar) sinais de rádio interestelares de natureza artificial? É uma pergunta difícil de responder, mas o assunto é tão palpitante que vale a pena investir e procurar uma resposta. Como? Sintonizando nossos radiotelescópios na direção das estrelas.

A coisa toda começou em 1959, quando Giuseppe Cocconi e Philip Morrison escreveram um pequeno artigo na "Nature", sugerindo que talvez valesse a pena sondar as estrelas mais próximas. Eles mesmos terminam o texto com o que virou o principal mote da pesquisa Seti (sigla inglesa para "busca por inteligência extraterrestre"): "A probabilidade de sucesso é difícil de estimar; mas, se nunca procurarmos, a chance de sucesso é zero".

Alguns poucos entusiastas prestaram atenção ao que eles tinham para dizer, e no ano seguinte o astrofísico americano Frank Drake iniciava o primeiro esforço de "escuta". Depois de sondar as estrelas Tau Ceti e Epsilon Eridani (e um afã inicial de um possível sinal, que depois se revelou interferência terrestre), nada foi encontrado.

Saltamos para 1995. Buscas intensas de sinais continuam em andamento no radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico --o maior do planeta. A caçada anda em ritmo moroso; analisar a quantidade brutal de ruído, em busca de um sinal débil vindo de uma distância gigantesca, exige muito esforço dos computadores acoplados ao observatório. Eis que David Gedye vem com uma idéia revolucionária: por que não "terceirizar" o processamento?

Surgia a semente do que viria a ser o SETI@Home. Desde 1999, usuários ao redor do mundo poderiam ir ao site do projeto e descarregar um programinha de descanso de tela. Sempre que a máquina estava ociosa, ele entrava em ação, puxando da internet um pacote de dados gerado em Arecibo e mastigando os dados localmente, para depois reenviar os resultados. O sucesso foi brutal.

As projeções otimistas no ano de sua implementação indicavam a possibilidade de arregimentar 100 mil voluntários. Até hoje, o SETI@Home cativou os corações e mentes de 5,4 milhões de voluntários. Com isso, ao longo dos últimos sete anos, foi possível realizar um trabalho que, se dependesse de um único computador, levaria 2,4 milhões de anos! E mais: economizando uma quantidade brutal de dinheiro em infra-estrutura e eletricidade (coisas que acabavam caindo na conta dos participantes, individualmente).

Mais do que uma grande busca por vida alienígena, o SETI@Home revolucionou a forma de realizar a mastigação dessas quantidades absurdas de informação bruta. O que Henry Ford fez pelos automóveis, o SETI@Home fez pelo processamento paralelo de dados. Tanto que seu modelo hoje é reproduzido para vários esforços que exigem muita computação, indo desde a busca de ondas gravitacionais até o desenvolvimento de novos medicamentos.

Ainda assim, o programa está em apuros. Na época de seu lançamento, com a injeção brutal de bufunfa no mercado de internet, o SETI@Home estava na crista da onda. Patrocinadores eram a coisa mais fácil de aparecer, e até mesmo estúdios de cinema se associaram à empreitada. Hoje, as coisas já não vão tão bem.

O que nos leva ao e-mail de Clarke e Werthimer, enviado a todos os usuários do SETI@Home. Além de agradecer pelo apoio dado até agora, eles dizem que o projeto precisará arrecadar US$ 750 mil para continuar por mais um ano. É a primeira vez que o grupo recorre a doações para manter a bola rolando --o que é um verdadeiro milagre, considerando a penúria recorrente em que se encontram todos os programas de Seti.

O recolhimento de doações começou em setembro do ano passado, mas andava de mal a pior --até o e-mail de Clarke e Werthimer. Com isso, março até agora registrou um recolhimento total de US$ 110 mil, contra um total de US$ 125 mil. Só nos últimos dois dias, foram recolhidos cerca de 15 mil. Ou seja, além de bom escritor de ficção científica, Clarke sabe sensibilizar o bolso de seus leitores.

Tem gente que se pergunta se tudo isso vale a pena. Admitamos, as chances de tropeçarmos num sinal extraterrestre são pequenas. As incertezas, enormes. Como saber se os ETs vão usar mesmo rádio para comunicação interestelar? Qual é a chance de eles mandarem um sinal para nós? Será que eles existem? Se existem, estariam suficientemente próximos para comunicação? E por aí vai.

Por outro lado, muitas vezes não é o resultado final que conta, mas o caminho percorrido. O físico Charles Townes costuma dizer que, se os Estados Unidos tivessem algum dia promovido um programa bilionário para a erradicação da catarata, jamais teriam chegado à resposta --o laser, que ele inventou nos anos 1950 convicto de que não servia para nada e que hoje serve para mais coisas do que consigo enumerar.

A criatividade é a maior qualidade dos seres humanos, e não importa muito em qual problema ela esteja sendo depositada, mas sim que seja usada e explorada em seu máximo potencial.


Salvador Nogueira, 26, é repórter de Ciência da Folha e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online.Escreve às quintas para a Folha Online.

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