17 abril, 2006

A era do trabalhador iPOD

Cultura do Novo Capitalismo, a - 0 Série - 0 Grau <br />Richard Sennett ISBN: 8501074306 Editora: Record
A era do trabalhador iPOD



Conhecido dos leitores brasileiros pelo best-seller A Corrosão do Caráter, o sociólogo americano Richard Sennett disseca o tema de seu recém-lançado A Cultura do Novo Capitalismo com firmeza de cirurgião. O novo capitalismo a que se refere o autor vem sendo forjado pelo modelo de gestão de grandes empresas de alta tecnologia, de finanças globais e de prestação de serviços. Embora sejam minoria, a influência cultural que exercem no mundo dos negócios, do consumo e da política é formidável. Diferentemente das companhias tradicionais, operadas por meio de elos estáveis de comando e controle, essas empresas flexíveis funcionam, de acordo com Sennett, à semelhança de um equipamento de MP3, que pode ser programado para tocar apenas algumas faixas de seu repertório em qualquer ordem. Essas empresas podem ora inchar, ora descartar funcionários, ao sabor dos projetos nos quais se aplicam. Esse mundo novo requer um perfil profissional de jovens dispostos a aceitar riscos e novos quesitos na avaliação de méritos. O que você já fez pela empresa usando suas habilidades conta menos que o potencial para atender a demandas inesperadas.

A empresa quer um trabalhador com atributos que façam lembrar um iPod capaz de armazenar 10 000 faixas de música. Quer o máximo de potência e flexibilidade, ou seja, disposição e capacidade de cumprir tarefas de modo não-linear. Seria o fim das carreiras. Investidores impacientes mandam em presidentes de alta rotatividade. O que impera na economia do conhecimento flexível é a constante ansiedade frente aos resultados das reengenharias, promovidas por consultores dispensados de prestar contas. Para Sennett, pior que o medo de ser demitido é a angústia de não saber quando ou como seremos úteis. É o que ele chama de fantasma da inutilidade.

Sociólogo heterodoxo e irreverente, Sennett é um dos mentores do primeiro-ministro britânico Tony Blair e faz sucesso dos dois lados do Atlântico, como professor da London School of Economics (Londres) e do MIT (Boston). Um capítulo de seu novo livro explora como o marketing do consumo influencia a política, em que viceja um eleitor descrente de tradições e obcecado pela satisfação máxima no curtíssimo prazo. Tal como ocorre com os automóveis, que ostentam marcas e designs diferenciados montados num chassi comum, também na política nada mais resta senão maquiar a mesma plataforma. Lançar sempre novas marcas -- como o neotrabalhismo de Blair -- tornou-se estratégia recorrente. A conclusão de Sennett é melancólica. O capitalismo tecnológico impõe uma depauperação do capital social, ou seja, daquela solidariedade mínima sem a qual mesmo as organizações competitivas têm dificuldade para sobreviver. Sua proposta, um anticlímax: um capitalismo que não seja pura competição e, veja só, a defesa da ação estatal para compensar os efeitos sociais e psicológicos da competição desenfreada. Eis a dose de utopia que Sennett reserva a seus leitores.

Fonte: Revista Exame - Edição 864 - 29 de março de 2006.
Autor: Gilson Schwartz

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