20 outubro, 2005

Editorial de O Globo - Referendo

Rio, 20 de outubro de 2005

Salvar vidas

A morte do adolescente Rafael Barboza, 15 anos, alvejado segunda-feira, na sala de aula de uma escola pública estadual em São Paulo, ocorreu a seis dias do referendo sobre o comércio de armas. Mas poderia ter acontecido em qualquer outra cidade brasileira, em qualquer dia. Rafael foi mais uma vítima da criminosa liberalidade com que a posse e o porte de armas passaram a ser tratados no país. Por ter morrido agora pode ser considerado também um símbolo da luta travada contra a banalização no manejo de armas pelo cidadão comum. A tragédia ocorrida na Escola Marilena Piumbato, em Jardim Anhangüera, na Zona Norte paulistana, cumpriu um roteiro conhecido: um colega, da mesma idade, levou de casa, na mochila, dois revólveres; ao brincar com um deles, a arma teria disparado acidentalmente. Não é um drama isolado. De acordo com a Secretaria estadual de Educação, no ano passado houve 13 homicídios em escolas paulistas. No anterior, 21. Pesquisa realizada pela Unesco, junto com a Universidade Católica de Brasília, concluiu que 13,3% dos alunos dos ensinos fundamental e médio do Estado de São Paulo já viram uma arma de fogo na escola. O índice médio dos que viram algum tipo de arma na escola em Porto Alegre, Belém, São Paulo, Brasília e Salvador foi de 35%. A proposta de extinção do comércio de armas — ressalvadas as exceções estabelecidas em lei — visa a evitar que no futuro ocorram mais casos como o de Rafael Barboza. O voto no “sim” é antídoto eficiente contra mortes desse tipo — por motivos fortuitos, muitas vezes por acidente; outras, pela simples e trágica coincidência de haver uma arma disponível numa briga de trânsito, de bar, entre vizinhos ou em família. O fim do comércio não eliminará por si só o banditismo organizado, incumbência das polícias. Mas tirará muitas armas de circulação, parte das quais costuma parar nas mãos de criminosos. O país continuará com o desafio de combater o surto de criminalidade. Mas com a certeza de que começou a conter a banalização da violência.

Fonte:
http://oglobo.globo.com/jornal/opiniao/188861782.asp

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