23 setembro, 2005

Historiador inglês critica cota racial

JC e-mail 2637, de 29 de Outubro de 2004.

Historiador inglês critica cota racial

Para Peter Burke, que visita o país, critério deveria ser econômico Rafael Cariello escreve de Caxambu para a ‘Folha de SP’:

O historiador inglês Peter Burke, 67, em visita ao Brasil, faz críticas à adoção do sistema de cotas raciais no país e defende que o critério de reserva de vagas na universidade deveria ser exclusivamente econômico.Professor aposentado da Universidade de Cambridge e um dos principais especialistas em história cultural, Burke diz temer que o Brasil perca sua identidade de país mestiço."Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro ou é branco, como acontece nos EUA", disse ele ontem à Folha, em Caxambu (MG), onde está para participar do 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que acontece até amanhã.Atualmente escrevendo um livro sobre o antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987), Burke descreve sua primeira impressão ao encontrar o autor de "Casa Grande & Senzala" e apologista da miscigenação brasileira."Eu o assisti dando uma aula na Inglaterra, nos anos 60. Ele falou sobre miscigenação. E me lembro de achar que ele era bastante branco, parecia português. Achei engraçado: tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura."A seguir, trechos da entrevista:Folha - Quais eram suas expectativas quando Lula foi eleito e qual sua impressão sobre seu governo até agora?Burke - Não tinha grandes expectativas. Tenho certeza de que ele gostaria de mudar bastante o país, mas é sofisticado o suficiente para saber que não pode fazer as coisas rapidamente. E que a primeira prioridade era não destruir a confiança financeira [internacional]. Então está sendo mais conservador do que gostaria, e eu não estou nem um pouco surpreso com isso. Ao agir cautelosamente, você age com maior eficácia, quando grandes mudanças estão ocorrendo. E me parece que agora, na educação, provavelmente aconteça uma reforma universitária, que inclui a discussão sobre as cotas. Se ele fizer isso, será uma grande mudança. Folha - O que o sr. pensa da adoção de cotas no Brasil?Burke - Como uma pessoa de fora, me parece muito estranho, dada a história do Brasil, que alguém queira ter esse sistema de cotas no país. Afinal de contas, me contaram todas essas histórias maravilhosas sobre ninguém aqui saber qual a sua cor, porque a aparência física pode não demonstrar se você tem sangue africano ou o que quer que seja. Os mórmons americanos tinham essa regra que pessoas negras não podiam ser bispos da igreja. Quando vieram ao Brasil, não puderam decidir quem era negro, e modificaram a regra. O que é importante, a meu ver, é que os pobres tenham cota. O critério deveria ser econômico. Pode muito bem acontecer que muitas dessas pessoas sejam negras, mas é melhor ter o critério econômico. Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro ou é branco, como acontece nos EUA.Folha - O sr., pessoalmente, consegue distinguir com facilidade quem é branco de quem é negro no Brasil?Burke - As aparências enganam. Você pode ser bem branco, e ainda assim ter uma avó negra. Estou agora escrevendo um livro sobre Gilberto Freyre. Não significa [a dificuldade de dizer quem é branco e quem é negro] que vamos aceitar a idéia de "democracia racial". Vou discuti-la criticamente, e tentar entender como ele chegou a dizer isso. Eu o assisti dando uma aula na Inglaterra, nos anos 60. Ele falou sobre miscigenação. E me lembro de achar que ele era bastante branco, parecia português. Achei engraçado: tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura.Folha - O sr. acha que esse discurso da miscigenação é apenas ideológico no Brasil?Burke - Não somente. Foi usado ideologicamente. Eu nunca teria usado o termo democracia racial. É uma metáfora infeliz. Mas há mais miscigenação aqui do que em outros lugares, e isso teve algumas das conseqüências positivas que ele sugere.Folha - E o sr. acredita que isso não deveria ser perdido?Burke - Exatamente.

(Folha de SP, 29/10)

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