31 janeiro, 2006

A falta histórica da aceitação e o diálogo com a crítica

“Deus ex machina, uma expressão latina que significa "o deus que vem da máquina", é na verdade uma invenção grega. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo literalmente baixado por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da história. Hoje em dia, porém, o deus ex machina tem pouca serventia para o dramaturgo e menos ainda para o roteirista, já que não aceitamos mais a noção de um ser sobrenatural capaz de interceder pelos humanos. O dramaturgo grego podia desenroscar os fios emaranhados de sua trama introduzindo um deus para cuidar da ação, mas o dramaturgo moderno precisa ser mais engenhoso para resolver as complexidades do enredo.”

Texto extraído do livro Teoria e Prática do Roteiro,
de Edward Mabley e David Howard

Projeto bom é projeto em andamento” .

Máxima da engenharia na década de 90, mas é muito provável que culpemos a máquina ou o maquinista se der algo errado.

Gilbert e seu chefe. Os dois 'brincam' com o gerenciamento de riscos



Depois de escrever isto, devo mesmo ser colocado no último lugar na lista de programadores da cidade a ser contratado. Num mundo em que a imagem (forma) domina mais que o conteúdo, e a necessidade de se ter uma imagem nova a cada instante é a norma. E não é por acaso que a forma mais comum de conversar com os jovens e falar frivolidades, tais como: Big Brothers, cinema, música, atores, etc... Então a minha melhor analogia sobre um tema difícil, “a crítica - na verdade, a falta em aceitá-la como um instrumento de feed-back”, ficará mais fácil de ser entendida: “crítico de cinema X equipe de testes de softwares”.
Tentarei. Para começar citarei uma frase comum, pelo menos no Brasil, logo abaixo.

“Crítico de cinema é um cara frustrado que gostaria de ser diretor e fazer um filme”.

Já escutei esta frase por muitos anos, e acho que o tempo dela já acabou, pelo menos de quem a coloca nestes termos, pois isto é um caminho que leva a simplificação, pois atrás da simplificação, pode estar escondido um grande escudo contra idéias novas ou invasoras.



As origens:

Nossa falta histórica de se aceitar críticas, dentro de meu pouco conhecimento no assunto, já que não sou um historiador, se deve as nossas raízes portuguesas, ou pelo menos, o que eles nos quiseram deixar. Quem nunca aprendeu na escola que foi o rei de Portugal, Dom João III dividiu o Brasil em capitanias hereditárias? A divisão da terra dada aos colonos eram as chamadas sesmarias, que irei compará-las com as 'enclosures' inglesas.

Enquanto no Brasil os que já tinha a posse da terra hereditariamente, não tinham tantas razões para se comprometerem com um pensamento burguês, pois suas terras não precisariam ser tão produtivas. Apesar dos portugueses terem vindo aqui com o objetivo de explorar, e não para criar nada produtivo em relação a 'ser manufaturado', o que já começou de modo contrário aos 'enclosures' ingleses. Por outro lado na Inglaterra, um “espírito burguês” já dominava o pensamento econômico, o que levaria os nobres a tentarem também a pensarem com um espírito burguês. No momento em que se um uma pequena ilha, como a Inglaterra teve que se estruturar para um aumento de produção agrícola, iniciando assim, processos de controle e fiscalização das terras, que mais tarde viriam surgir outras disciplinas e profissionais liberais em conseqüência destas exigências. Os portugueses aqui, tentavam imitar a corte portuguesa, e não os burgueses. Temos os dois extremos, um peca pelo alto descomprometimento com a propriedade e sua produção, pois era na verdade exploração, e o segundo pela alta exigência de produtividade por parte dos que tinham a posse das terras ( enclosure em http://en.wikipedia.org/wiki/Enclosure ). Como podemos observar, temos razões históricas para não se conseguir o meio termo dos dois já temos de sobra, o segundo, criou toda as vilanias do que o pior do capitalismo poderia conceber.

Mapa de época das Capitanias Hereditárias. O espaçamento entre elas não obedece uma escala fiel.
A analogia:

Hoje em pleno século XXI, os custos de produção de um filme, apesar de terem caído drasticamente no que se refere aos materiais de produção e equipamento, os grandes estúdios continuam conservadores para investimentos em idéias novas. O que surge a oportunidade de quem aposta, em fazer um filme com um tema inicialmente recusado. Mas também surge a possibilidade de se ver por aí um monte de lixo. Vai faltar “crítico” para todos os filmes que estão sendo lançados, mesmo que sejam refilmagens de outros que deram certo.
É difícil encontrar uma pessoa que não goste de comentar um filme, uma novela, uma CPI (no nosso país é claro, o país das CPI´s). Todos gostam de criticar os críticos que tem opinião contrária as suas (e vice-versa é claro!), e, os amaldiçoam com a célebre frase do início do nosso texto. Quando se conversa sobre filmes, a maioria tece os comentários sobre o quão formidável foram os efeitos especiais, sabem de cor o nome dos atores, quem e casado com quem, quem está...êpa, desculpe não vem o caso. Assim como gostam de analisar a forma, não sei se por falta de tempo, nunca ouvi ninguém analisando o conteúdo ou a seqüência lógica do roteiro. Talvez até saibam, mas por falta de bagagem histórica, nesta tarefa de analisar o conteúdo, nos falta também a prática cotidiana de fazê-la ou mesmo começar a fazê-la. Outro exemplo, quantos motoristas ligam para um posto da Polícia Rodoviária Federal quando avistam animais na pista ( os de dentro dos carros não conta), quantos passageiros ligam reclamando para uma agência reguladora sobre um ônibus urbano que sempre está lotado? Ainda nos dias de hoje, quem faz isto, passa por chato.
Recentemente numa das editorias da 'Folha de São Paulo', o jornal abriu um fórum para críticas de uma novela. Olhei por curiosidade o conteúdo das críticas, mas a maioria, eram críticas corretas, mas sobre erros de continuidade, e das técnicas usadas nas cenas de ação que a narrativa exigia. Não encontrei nenhuma sobre a própria narrativa, para pelo menos anotar neste texto. Mesmo assim, a iniciativa pode ter bons frutos, pois a prática nos leva a melhoria, perfeição é para os românticos, isto no que ser refere às observações da narrativa e roteiro.
Antes de iniciarmos qualquer projeto, temos que ter seu planejamento e identificando seus graus de risco, um plano B também é aconselhável (e não é fugir do país!), é mais que razoável.
Uma equipe de desenvolvedores não pode se julgar que são deuses (gerente e cliente também), que poderão resolver tudo como os dramaturgos gregos. A figura de uma equipe de testes, do próprio grupo se for o caso, mas não exatamente o que fez a parte do programa ou sistema (é como escrever um texto e pedir para OUTRA pessoa corrigir), é uma conseqüência inevitável dos dias de hoje, o que me fez criar a analogia com a indústria do cinema. Não podemos invocar mais os deuses para resolver ou colocar a culpa em erros do enredo ou de nossos sistemas. Caso contrário, voltaremos a colocar a culpa na máquina ou no maquinista.

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