12 janeiro, 2006

Educar a pressa

Cristovam Buarque


Em janeiro de 2003, sugeri ao presidente Lula e ao ministro Gushiken que a primeira fala presidencial em cadeia nacional fosse para saudar a volta às aulas. Seria a oportunidade de falar da importância desse dia. Dizer às famílias que a educação se faz na escola e em casa, e lembrar a importância dos pais na formação dos filhos. Era a oportunidade de explicitar o programa de governo para a educação, reafirmar o compromisso com os professores, maior participação federal na educação básica, acabar com o analfabetismo e criar o Fundeb. O ministro foi claro de que o assunto não merecia ser mencionado em cadeia nacional. Em janeiro de 2004, já fora do MEC, voltei a fazer a sugestão, por meio de carta, sem resposta; em 2005 também insisti; e faço o mesmo agora. Mas não tenho ilusões de que para o governo Lula a volta às aulas seja um assunto importante.

O fato é que, durante todos estes anos, Lula raramente falou de educação e, quando menciona o assunto, trata de ensino superior ou técnico. A educação básica quase nunca aparece em seus discursos. Em 2004, vi o discurso de Lula sobre pobreza na China e me surpreendi que nem uma única vez tenha aparecido a palavra educação. Pedi o discurso por escrito e constatei que realmente não estava lá.

Mas, no primeiro programa de rádio deste ano, Lula citou a educação básica, dizendo que o futuro dela depende da aprovação do Fundeb e sua demora será culpa do Congresso. Ele demorou muito a falar em educação básica e agora falou de maneira equivocada.

Primeiro equívoco: responsabilizar e cobrar a rápida aprovação de um projeto que ele engavetou durante dois anos. O Fundeb foi elaborado no primeiro ano do governo. Como ministro, coordenei a elaboração e entreguei uma proposta no fim de 2003. O presidente demorou e agora quer que o Congresso aprove sem discutir, sem melhorar, o mais rápido possível, aquilo que ele mesmo esperou dois anos para enviar ao Congresso.

Segundo equívoco: dizer que o Fundeb trará mais R$ 4 bi para a educação básica, sem dizer que só será por volta de 2010. Lula não disse que, para 2006, o Fundeb prevê a aplicação de apenas R$ 1,3 bi. Dinheiro que parece muito para quem não sabe que o Brasil já aplica pouco mais de R$ 50 bilhões por ano em educação básica. Lula propõe um aumento insignificante: R$ 0,15 por dia de aula por aluno.

Terceiro equívoco: Lula não disse que o projeto apresentado em 2003 previa recursos no valor de R$ 4,3 bi desde o primeiro ano; quatro vezes mais do que aquele apresentado agora em 2005.

Quarto equívoco: não dizer que mais dinheiro na educação de pouco vai servir se não vier acompanhado de outras ações e propostas que continuam dormindo nas gavetas do Planalto. O MEC não é um banco para apenas transferir dinheiro. Quando os estados não recuperaram as estradas, o governo federal interveio.

Quando os municípios relegam seus compromissos com a educação, o governo federal apenas transfere um pouco de dinheiro e lava as mãos sobre o destino das crianças. Ao lado de um Fundeb, o governo precisa definir uma lei de responsabilidade educacional, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Precisa determinar metas nacionais para todas as escolas do Brasil. Comprometer prefeitos e governadores com realizações e não com mais gastos apenas.

Depois de três anos sem tocar no assunto, Lula falou em educação básica, mas cometeu duas verdades incompletas que juntas correspondem a uma imensa ilusão: que está agindo rápido e o Congresso devagar; e que o dinheiro que propõe é muito e suficiente para resolver a crise da educação brasileira, se o Congresso colaborar. Talvez seja coincidência que 2006 seja um ano eleitoral.

Mas após três anos é legítimo desconfiar que depois de desprezada a educação passa a ser manipulada com propósitos eleitorais. É por isso que o Congresso tem obrigação de apressar a análise do Fundeb, mas depois de melhorar o que há de errado e incompleto nele. Essa é a chance que não pode ser perdida: adiando a aprovação ou aprovando-a apressadamente.

É preciso pressa para a educação, mas é preciso também educar a pressa.

Artigo publicado no jornal O Globo no dia 07/01/2006.

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