23 janeiro, 2006

Coca, agora um assunto que se toca

22/01/2006 - 16h37m
A coca não é cocaína

Por Helena Klang, especial para o Globo Online

No ano de 2003 resolvi colocar minha mochila nas costas e viajar por lugares que antes não eram de minha escolha: os países latino-americanos. Muitos jovens brasileiros não têm interesse em seus vizinhos e por isso, junto com uma amiga também jornalista, resolvi documentar a viagem com uma câmera digital e assim incentivar os amigos.

Escolhemos a Bolívia como nosso destino. No estilo "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça" transformamos nossa viagem de lazer numa investigação jornalistíca. A ídeia era entender a questão da folha da coca e a política anti-narcóticos americana, que transformou a planta, de valor cultural e religioso em toda a região andina, na grande vilã da guerra anti-drogas.

Entramos em contato com jornalistas na Bolívia que nos apresentaram figuras importantes do cenário político boliviano. Evo Morales era a peça-chave para este quebra-cabeça. Simples e carismático, Evo nos recebeu para uma entrevista descontraída em seu gabinete na Câmara dos Deputados.

Descendente dos índios Aymara, ele nos contou sua trajetória política, desde quando foi líder do sindicato dos produtores de coca até se tornar presidente do Movimento ao Socialismo, o MAS.

Evo criticou fortemente o plano de erradicação da folha da coca imposto pelos Estados Unidos e defendeu a planta como produto cultural e medicinal.

E parecia que esta era a opinião de todos os entrevistados. Deputados, intelectuais e pessoas comuns que encontramos nas ruas, todos defendiam a coca como símbolo de identidade andina. De fato, a planta é usada há quatro mil anos na região, já que possui substâncias que aliviam os males da altitude.

La Paz é a capital mais alta do mundo e o chá feito com as folhas da coca é vendido normalmente em cada esquina da cidade.

A curiosidade de ver a planta foi aumentando e decidimos visitar o mercado de coca em La Paz. Ao chegar, me dei conta que é apenas uma folha e que a transformação em cocaína a ser vendida nas bocas de fumo no Rio de Janeiro ou em qualquer outra cidade do mundo envolvia uma série de outras coisas que não tinham nada a ver com a plantinha que os bolivianos cultivam para fazer chá e aliviar a pressão.

Resolvemos entrar em contato com a embaixada americana para entender por que os EUA financiavam o Plano Dignidade, uma cópia do Plano Colômbia, só que na Bolívia. O plano determina a quantidade e os locais onde a coca pode ser plantada e, por isso, acabou produzindo uma alta no preço da planta. Os indígenas, que antes a consumiam quase de graça, agora pagam quantias absurdas pela coca.

Num primeiro momento, a embaixada nos esnobou. Fez mil perguntas sobre nosso interesse no assunto e negou a entrevista. Depois de muitos e-mails e ligações conseguimos uma conversa com o diretor do DEA, sigla em inglês que define a divisão anti-narcóticos dos EUA.

O diretor não falava espanhol. Estava no país para erradicar a coca e o plano de desenvolvimento alternativo, que incentiva os cocaleiros a trocarem seu cultivo por plantações de cítricos, pimenta e outros produtos mas, não previa qualquer ajuda nas exportações destes produtos. O exército boliviano entra na jogada destruindo as plantações ilegais. Enquanto arrancavam arbustos, os soldados mastigavam a folha da coca.

No final das contas, percebemos que os cocaleiros que se rendem ao desenvolvimento alternativo não encontravam mercados para a produção e aqueles que permaciam plantando coca se arriscavam - persistentemente - na ilegalidade. E, pelo visto, a determinação valeu:o líder cocaleiro, Evo Morales, foi eleito presidente da Bolívia para mudar esta história.

Fonte:

http://oglobo.globo.com/online/mundo/mat/2006/01/20/190020075.asp

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