Heliana Frazão e Flávia Monteiro*
SALVADOR. O carnaval terminou na tarde de ontem, mas deixou em aberto a discussão de uma antiga polêmica reacendida pelo cantor e compositor Carlinhos Brown: as cordas que protegem os associados dos blocos de trios de quem acompanha a folia na pipoca — fora do bloco e sem abadá. No sábado, Brown cobrou do ministro da Cultura, Gilberto Gil, o fim das cordas, dizendo que elas são segregacionistas e impõem um apartheid entre pobres e ricos na folia baiana. Gil respondeu dizendo que conciliar as desigualdades é complicado no mundo inteiro.
Ontem, debaixo de sol quente, Brown comandou o arrastão da Timbalada e voltou a pedir desculpas a Gil. Por volta das 10h, o cantor saiu do Farol da Barra em direção a Ondina e cantou no chão a maior parte do tempo. No alto do trio, elogiou o público quando um carrinho de bebidas foi derrubado pelos foliões, que ajudaram a levantá-lo:
— O carro caiu e ninguém pegou nada, é sinal de que o nosso povo está mudado.
Entre um sucesso e outro, puxou o coro de desarmamento durante a música “Soul da Paz”, cantada para conter um início de empurra-empurra:
— Quando o ânimo esquenta, a gente canta uma de paz.
De madrugada, o DJ inglês Fatboy Slim arrastou a multidão para dançar música eletrônica.
A queixa sobre o apartheid social é rechaçada pelo coordenador geral do carnaval, Misael Tavares, representante da prefeitura, que considerou a reclamação de Brown improcedente e equivocada.
— O carnaval de Salvador é uma festa que contempla todos os tipos de manifestação e classes sociais. Montamos palcos nos bairros populosos; temos reggae, pop, trios elétricos, carnaval à moda antiga no Pelourinho e desfile de fantasias.
Tavares chamou atenção ainda para o fato de algumas estrelas terem optado por tocar para o público, sem cordas, como Daniela Mercury, Gil e Margareth Menezes. Ele destacou também que o próprio Brown tem um bloco com cordas, a Timbalada, que cobrou R$ 750 pelo abadá.
— Tivemos dois milhões e duzentas mil pessoas por dia brincando nas ruas este ano, desse total perto de 500 mil eram turistas, e não estavam todos dentro das cordas — assinalou.
Para Tavares, o fim das cordas e dos camarotes pode representar a derrocada de uma festa que cresce a cada ano e atrai cerca de 600 grandes patrocinadores. Este ano, pelo menos quatro pessoas morreram no circuito dos desfiles — inclusive uma jovem de 19 anos, baleada no domingo. Brigas entre foliões deixaram centenas de feridos. No ano passado, não houve mortes no carnaval.
O presidente da Associação dos Blocos de Trios, Fernando Bulhosa, diz que as críticas de Brown são infundadas:
— Não é verdade que o pobre perdeu espaço. Tem blocos para todos os gostos e preços. Dizer que o carnaval de Salvador está privatizado e somente rico pode brincar é demagogia.
Bulhosa defende a ampliação do espaço da festa, com a criação de um quarto circuito, em razão da superlotação. A criação do quarto circuito para 2007 é uma das opções em estudo na prefeitura. Enquanto isso, as maiores agremiações carnavalescas começaram na Quarta-feira de Cinzas a venda dos abadás da folia do ano que vem.
* Enviada especial
Fonte:
http://oglobo.globo.com/jornal/rio/192019088.asp
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