
Por Pedro Paulo Rezende.
Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, em 15/10/2005.
O canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) se transformou em ícone pop no início da década de 60, quando suas colocações sobre o impacto da era eletrônica na sociedade ganharam destaque nos meios acadêmicos e intelectuais norte-americanos e europeus. Esse impacto ocorreu no Brasil um pouco mais tarde. Em 1969, Décio Pignatari traduziu Os meios de comunicação como extensões do homem, obra que marcou definitivamente o ensino de Comunicação Social no país. McLuhan alertava para a crescente velocidade de circulação da informação e como esse fenômeno afetava o cotidiano, diminuindo distâncias e quebrando paradigmas e barreiras hierárquicas nos grande conglomerados econômicos e na sociedade em geral. Para ele, algumas conseqüências eram inevitáveis: o surgimento de uma aldeia global, onde a comunicação escrita daria lugar a uma nova forma de tradição oral, difundida pelos meios eletrônicos de massa, como o rádio e a televisão e, até mesmo, uma rede mundial de computadores. Também antecipou o surgimento da informação como bem mais precioso, em substituição aos bens de consumo. Na época, McLuhan passou a ser visto como um profeta, rótulo que rejeitava - ele afirmava que fazia "previsões de coisas que já tinham acontecido". Apesar de antecipar boa parte dos cenários que presenciamos hoje, época marcada pelo noticiário em tempo real e pelas redes de convivência na Internet, esse ideário perdeu boa parte de sua influência na década de 80. Em boa parte, pela atitude de McLuhan, que fazia de tudo para passar a impressão de que não levava suas idéias a sério. Ele chegou a interpretar ele mesmo numa ponta de Annie Hall, filme de Woody Allen, rodado em 1977 - distribuído no Brasil sob o título Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Suas últimas obras, inclusive O meio é a mensagem, editado no Brasil em 1972, também mostravam uma maior preocupação com a forma do que com o conteúdo. Para facilitar a difusão de suas idéias usavam uma linguagem que se apropriava de grafismos publicitários, mas que se afastava de cânones acadêmicos. Aos poucos, os meios intelectuais se distanciaram do ideário mcluhiano. Hoje, apenas uma de suas obras - Os meios de comunicação como extensões do homem, editada pela Cultrix em 1996 - está disponível. Por isso McLuhan por McLuhan , lançado pela Ediouro, é uma obra necessária. Principalmente, por permitir conhecer a profundidade real das teses e métodos que forjaram a idéia da aldeia global, mais atual que nunca. UM FILÓSOFO Reunindo transcrições de entrevistas e conferências do pensador canadense, a primeira delas feita em 1960, Mcluhan por McLuhan mostra uma visão claramente filosófica dos fenômenos da era eletrônica. Suas conferências não partem de um approach científico, recheado de números, pesquisas e questionários tabulados. As idéias surgem a partir de um método socrático de observação e questionamento do cotidiano, contrariando os teóricos universitários que tentam inseri-Ias dentro de uma inexistente ciência da comunicação. Isso não invalida a maior parte do ideário mcluhiano, apenas comprova a validade do método filosófico na observação de fenômenos sociais e na criação de conhecimento. A brilhante introdução de Tom Wolfe destaca esse ponto consegue abrir janelas sobre áreas nunca exploradas da obra de um dos principais pensadores do século 20. Uma delas é a proximidade da idéia de aldeia global com a noosfera proposta pelo padre jesuíta, geólogo e paleontólogo Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955). Defensor do darwinismo, Chardin tentou construir uma ponte entre a ciência e a teologia. A partir de suas constatações sobre o processo de evolução animal, estabeleceu uma visão cósmica de Cristo, onde o universo e todos os seres que nele habitam eram parte íntegra e inseparável de Deus. A humanidade caminharia para uma civilização única, onde cada ser estaria ligado como parte sistêmica de um processo globalizado, o que batizou de noosfera. Os meio eletrônicos de comunicação seriam parte intrínseca da evolução do sistema nervoso humano e teriam parte importante na criação de uma cultura única mundial, como podemos ver, algo muito próximo da aldeia global mcluhiana. Condenado ao silêncio pela doutrina católica, Chardin lecionou na Faculdade Católica de Saint Michael, da Universidade de Toronto, onde suas idéias circulavam em panfletos mimeografados. Coincidência ou não, McLuhan fez parte do corpo docente da instituição. Apesar disso, nunca fez qualquer comentário público sobre a influência chardiniana em seu traba1ho, apesar admiti-la em privado. Wolfe atribui essa omissão ao fato do pensador canadense ser católico converso. "Mc Luhan era fascinado por Chardin, mas este representava um problema', garante Wolfe. "Mesmo depois de sua morte ele permaneceu fora dos limites da teologia católica, e McLuhan levava sua fé muito a sério, principalmente por ser um ex-protestante convertido que ensinava numa importante instituição católica.” PROBLEMAS DE TRADUÇÃO Dentro da visão de McLuhan, existem meios de comunicação frios e quentes. Os meios frios, como a televisão, fornecem a informação sem que haja uma abertura à imaginação humana. O problema está em traduzir esse conceito em situações onde ele se confunde com expressões idiomáticas do inglês, onde cool (frio) pode ser lido como “legal”. Isso fica visível num dos momentos mais interessantes da obra, no capítulo “O que a televisão tem de melhor”, quando o filósofo, ao ser entrevistado no programa Tomorrow Show, da NBC, analisa o debate sucessório da campanha eleitoral de 1976 nos Estados Unidos, quando concorreram o democrata Jimmy Carter e o republicano Geral Ford, que tentava se eleger depois de assumir a presidência norte-americana graças à renúncia de Richard Nixon. O início da transcrição da entrevista é absolutamente incompreensível, em virtude dos trocadilhos entre a expressão idiomática e os conceitos mcluhianos. Ajudaria, numa segunda edição, que se mantivesse parte do diálogo original ao pé da página. Voltando à questão da aldeia global, para McLuhan, a sua existência não seria um antídoto à violência. Pelo contrário. As sociedades tribais primam pela crueldade, inclusive ritual, como parte do processo de afirmação do grupo abre o indivíduo. Assim, o aumento da velocidade de circulação da informação terminaria por gerar conflitos, que tenderiam a ser mais contundentes. Isso é colocado em diversos pontos da obra, como um dos pontos positivos e negativos do processo de globalização. A precisão de suas previsões, nesse caso específico, é assustadora. Chegou a antecipar questão étnica como a causa mais provável de choques armados, exatamente como ocorreu no processo de fragmentação da Iugoslávia e em Ruanda, onde a maioria hutu massacrou 800 mil tutsis. Outro ponto onde as previsões de McLuhan se consolidaram está na forma como as novas gerações seriam influenciadas por sua interação com os meios de comunicação de massa. Ele alertava para uma modificação radical no sistema nervoso, que permitiria um novo tipo de ligação entre o homem e a máquina, acelerando ainda mais o processo de velocidade da informação. Lembrava que algo semelhante ocorrera no passado, com o surgimento da escrita e da imprensa, com sérios reflexos na sociedade e na economia. Mas o profeta também errou, Apesar de antecipar a formação de uma rede mundial de computadores, ele também defendia a tese de que, com a disseminação dos meios eletrônicos de comunicação, a linguagem verbal terminaria por suplantar - não eliminar, como alguns teóricos de comunicação social afirmam - a escrita. Nesse ponto, suas previsões falharam. A internet consolidou o texto, mesmo que revestido de uma forma própria distante do vernáculo. Mas é apenas um detalhe numa galáxia fascinante de acertos. Fica até difícil aceitar que McLuhan fosse mesmo "um profeta de coisas que já tinham acontecido", como gostava de se definir.
Autor: Stephanie McLuhan e David Staines
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